Organizações deveriam ser mais humanas. Esse é um desejo ou visão persistente de muitas pessoas do mundo empresarial.
Para muitos, isso significa um ambiente de trabalho mais respeitoso e acolhedor, para outros representa oportunidades para se aumentar a competitividade (“o capital humano é a única vantagem competitiva de organizações”). Ou ainda, representa a consequência da rápida automação de tarefas repetitivas – o advento de novas tecnologias forçará organizações a criarem mais oportunidades de trabalho que se utilizam de capacidades ‘humanas’ de difícil automação, como as criativas e de relacionamento, argumentam.
Ser “mais humano” é associado a uma crença de que organizações serão melhores para os seus profissionais, clientes, sociedade e acionistas. Nada de mau nisso. Mas essa crença é distorcida e não ajuda a aprofundar o que de fato é ser “humano”.
Um ponto cego nessa discussão é que ser “mais humana” não significa necessariamente ser “melhor”: poluição, violência e desigualdades sociais são consequências, diretas ou indiretas, do que somos e de como agimos. Somos capazes de mentir, enganar e corromper tanto mais do que gostaríamos, e isso faz parte da nossa natureza.
Os recentes fatos com tradicionais líderes espirituais no Brasil envolvidos com escândalos sexuais mostram essa humanidade. Não somos seres coerentes. Inventamos e acreditamos em narrativas para defendermos aquilo que queremos, por mais distorcido que pareça para outros.
Frequentemente ignoramos o impacto das nossas ações em nosso bem-estar futuro, ou ainda rejeitamos mudanças mesmo reconhecendo que elas são necessárias. Organizações são essencialmente criações humanas e, como tais, manifestam aquilo que somos.
Corrupção de governos, esquemas ponzi, ocultação de dados de poluição e polarização social como tática de atração de usuários são práticas bem recentes de grandes e admiradas organizações. Os Nobels George Akerlof e Joseph Shiller argumentam que organizações (criadas e dirigidas por nós) estão constantemente explorando nossas fraquezas e ignorância para nos manipular. Se existe algo passível de ser desenvolvido para nos enganar, alguém o fará, eles concluem. Mas esse lado negro não diminui nossa capacidade de progredir. Fácil listar milhares de realizações sociais e científicas que desenvolvemos ao longo da nossa jornada: vivemos mais, temos mais acesso à alimentação, medicações, informação, transporte, bem menos guerras e mortes violentas que no passado.
Além disso essas realidades opostas de criação e destruição, de ajuda ou exploração, convivem bem próximas. Walt Disney, apesar da transformação que causou na indústria de entretenimento, era autocrático e demitia rudemente pessoas que discordavam dele em discussões banais. Outro exemplo: narcisismo e arrogância estão fortemente correlacionados com a personalidade de empreendedores, que assumem muitos dos riscos que nos permitem evoluir como civilização.
Mas, como gestores, evitamos falar abertamente sobre esses temas, ou tentamos controlá-los, represando o que depois se torna grande o suficiente para explodir de forma patológica. Recentemente, várias empresas de tecnologia precisaram ser denunciadas para tomar providências em situações fora de controle, como o assédio sexual e moral que estão impregnados em sua culturas.
Organizações podem sim se tornar mais alinhadas com o que de fato é “humano”. O modelo predominante de máquina supõe indivíduos como partes em uma grande engrenagem, que precisam ter padrões de comportamento específicos, mensuráveis, para a eficiência do conjunto. A maioria das discussões sobre o “humano” dentro das organizações acontece de forma a encaixá-lo nesses mecanismos supostamente eficientes: temos que selecioná-los, treiná-los e condicioná-los com incentivos para que eles desempenhem sua parte na tarefa.
Mas diversos estudos mostram o quanto a nossa natureza prevalece: os líderes de fato não são os que ocupam posições de liderança mas os que surgem informalmente através das relações. A maioria das promoções ocorre pelo que parecemos e por quem nos relacionamos, e não pelo que realizamos.
Os sucessos não vêm na maioria das vezes de planos, mas de causalidades.
No fim, a máquina funciona, mas com muita perda, ineficiência e desgastes ao, forçosamente, se adaptar a como de fato somos. Tentamos condicionar o que sabemos sobre os humanos dentro desses modelos limitados, enquanto devíamos aceitar nossa natureza orgânica de como vivemos e interagimos, potencializando nossas capacidades e convivendo como nossas limitações. Devemos ser otimistas em relação ao nosso futuro, mas realistas sobre o que de fato somos e as possibilidades boas ou ruins que podemos criar.
Artigo de Claudio Garcia é vice-presidente executivo de estratégia e desenvolvimento corporativo da consultoria LHH, baseado em Nova York (Publicado no Valor Econômico).
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