O home office pós-quarentena pode gerar uma crise na Faria Lima?

A previsão é de que sejam devolvidos até o final do ano 73,9 mil metros quadrados em imóveis classe A de São Paulo

O home office pós-quarentena pode gerar uma crise na Faria Lima?
Expectativa é que a taxa de vacância de imóveis corporativos classe A suba de 11,8% para 16,5% (Germano Luders/Exame).

O home office pós-quarentena pode gerar uma crise na Faria Lima?
mercado imobiliário comercial tem pela frente não apenas o desafio de evitar o contágio dos ocupantes pelo novo coronavírus, mas trazer de volta empresas e trabalhadores que se acostumaram a evitar trânsito e o transporte público lotado, além de ter adequado a equipe e o trabalho ao home office.

Diversas empresas já anunciaram planos de tornar o home office uma política permanente. Essa mudança de mentalidade sobre a organização do trabalho dentro do escritório e o trabalho remoto pode gerar um baque no mercado imobiliário. É o que acredita a consultoria imobiliária Buildings, especializada no segmento corporativo.

A previsão é de que sejam devolvidos, até o final do ano, 73,9 mil metros quadrados em imóveis classe A em São Paulo e que a taxa de vacância suba para 16,5%. “Já existe um grande volume de devoluções. São empresas como a Nextel, que está devolvendo 11.258 m²; Latam, que está devolvendo 3.980m², e Creditas, que está devolvendo 3.160m²”, avalia Fernando Didziakas, sócio da Buildings.

A expectativa é que os dados do segundo trimestre ainda não sejam tão impactados pelas devoluções, pois diversas delas acontecerão no terceiro trimestre em diante, já que o processo de devolução também é um processo um pouco demorado, dependendo do período restante e condições estabelecidas no contrato.



Na visão dos consultores, contudo, a devolução dos escritórios é muito norteada pela crise econômica. Ainda que permaneça no pós-pandemia, a mudança não será massiva.

Segundo a Buildings, atualmente apenas 4,5% dos espaços de 48 prédios classe A na região da Nova Faria Lima, próxima ao cruzamento da Avenida Brigadeiro Faria Lima e a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, em São Paulo, estão vagos. Ou seja, existem apenas 43 mil metros quadrados disponíveis na região que possui estoque total próximo dos 1 milhão de metros quadrados, avalia Didziakas.

“A vacância na região estava em 2,7% no primeiro trimestre de 2020 e apesar de ter subido para 4,5% por conta da entrega de um novo empreendimento e algumas readequações de empresas, continua em um patamar muito baixo, longe de qualquer crise de excesso de oferta”.

A pandemia afeta cidades de forma diferente. São Paulo é uma cidade com diversos setores econômicos. O Rio, onde a vacância do segmento corporativo atingiu 50% no ápice da crise do setor de óleo e gás e excesso de oferta na cidade, e ainda está em 38%, tende a sofrer mais por conta de uma aceleração do trabalho remoto.

O mercado imobiliário corporativo é, portanto, mais impactado nas grandes capitais, nas quais existem os bolsões corporativos. Outras capitais menores, como as do Nordeste, não têm uma grande concentração desse segmento.

De olho na sustentabilidade de áreas nobres corporativas, há anos a BR Properties, incorporadora especializada em prédios comerciais, vem se especializando nos prédios triple A nessas regiões, os quais administra diretamente.

Mais do que ter boas características técnicas, esses empreendimentos costumam estar próximos a vias de transporte público e regiões com infraestrutura para acolher funcionários, com ampla rede de serviços, diz Martín Andrés Jaco, presidente da incorporadora.

“Crescemos muito ao longo do tempo a área de serviços dentro dos prédios corporativos, com lojas, manicures, restaurantes e cafés. Fazemos retrofit para modernizar. Mas ainda tem laje de 5 mil metros quadrados. Esses edifícios oferecem aluguéis estáveis. Como é difícil recria-los na cidade, pois faltam espaços para novas construções, a empresa toma a decisão de sair com mais cautela”.

Setor resiliente

Representantes do setor são firmes no argumento de que o mercado de imóveis pode passar relativamente ileso a uma mudança de hábito.

Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP (Sindicato da Habitação), ressalta que a tendência do trabalho remoto não é nova: acontece há pelo menos 10 anos no país. E o mercado imobiliário vem se adaptando a ela, reduzindo espaços para locação entre 30% a 40% ao longo do período. “Os escritórios continuam a existir, mas de forma diferente. Os escritórios brasileiros já são otimizados, e diante da necessidade de mais espaços compartilhados, não vemos grandes mudanças”.

O engenheiro civil Luiz Antônio França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), diz que a transformação no mercado imobiliário corporativo irá ocorrer, mas não será imediata. “Além disso, cada segmento terá a sua adaptação”.

Segundo ele, regiões com infraestrutura para o segmento corporativo, com avenidas mais largas, prédios modernos com piso elevado para acomodar cabeamento e infraestrutura de internet, vão continuar sendo demandadas. “O que pode ocorrer é uma reacomodação da área. Não vejo vacância ou uma desocupação desordenada. Além disso, se a demanda futura cair, os novos empreendimentos se adaptarão a esse cenário como forma de reduzir espaços ociosos”.

É o que aconteceu com a migração do segmento corporativo da Avenida Paulista para a Avenida Brigadeiro Faria Lima, conta. “Os prédios na Faria Lima atraíram empresas por serem mais modernos. Mas nem por isso a Paulista deixou de ter escritórios. Só mudou o uso para pequenas salas comerciais, call centers e até coworkings”.

Falta de mobilidade acelera mudanças

Uma das influências para a aceleração da demanda por trabalho remoto é causada pelo descompasso histórico entre a produção imobiliária das grandes cidades e o desenvolvimento do transporte de alta capacidade, aponta Eduardo Alberto Cuscé Nobre, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

“A implantação do Metrô é muito lenta em São Paulo. Estamos chegando nos 100 km, enquanto outras metrópoles, como a Cidade do México, têm o dobro. O Rio de Janeiro também sofre com a falta de mobilidade. Por conta disso muita gente, desde a década de 80, já busca o interior dos estados para ter maior qualidade de vida, e isso deve continuar acontecendo”.

Nobre aponta que estamos criando macrometrópoles, que abrangem toda a região metropolitana e cidades próximas. “Já existe mais gente saindo do que entrando na cidade”. Em sua visão, o trabalho que puder ser feito remotamente pós-pandemia, será.

“De um lado as empresas locatárias querem ampliar o trabalho remoto e reduzir custos, e de outro o mercado imobiliário deseja que o cenário permaneça. Não tem jeito. O mercado imobiliário vai sofrer um baque. Mas o setor, além de importante para o PIB, é resiliente. Irá surgir novas tecnologias que podem mudar novamente o ambiente de trabalho, e abrir frente para novos empreendimentos. Em último caso, os empreendimentos podem se transformar em prédios residenciais, como já aconteceu em outros países. É uma mudança complexa, mas possível”.

Fonte: Portal Exame, por Marília Almeida.