Medidas contra a greve criarão uma avalanche de processos

Execução da MP 832 foi derrubada no estado do Rio Grande do Norte e, para especialistas, novas ações judiciais virão, colocando em risco a manutenção da tabela de preços.

A greve dos caminhoneiros terá como efeito colateral uma avalanche de processos na Justiça, pondo em risco soluções como a tabela de preços. As medidas do governo para atender às reivindicações dos manifestantes estão altamente expostas a questionamentos.

Segundo o sócio do Porto Lauand Advogados em Direito Regulatório e de Infraestrutura, Rodrigo Pinto Campos, as medidas provisórias editadas pela administração do presidente Michel Temer para pôr fim às paralisações possuem textos que podem ser declarados inconstitucionais. No caso da MP 832, que estabeleceu um tabelamento de fretes com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado por eixo carregado, Campos lembra que a tabela foi criada sem estudo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o que fere a Lei 10.233/2001.

Pelo texto da lei, cabe à ANTT a promoção de estudos aplicados “às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados”. “O governo passou por cima da regulação da agência reguladora. Não seguiu-se o rito que a legislação impunha”, afirma o advogado.

Além disso, o especialista entende que mesmo que o Planalto tivesse esperado a agência realizar um estudo aprofundado sobre o tema, a imposição da tabela fere o princípio da livre iniciativa, estabelecido no artigo 170 da Constituição Federal.

Na opinião do sócio do contencioso do Demarest Advogados, Marcelo Inglez de Souza, o tabelamento do frete limita a concorrência e é um retrocesso para o Brasil. “A situação que se tem, com uma tabela impondo custo mínimo para os fretes, vai contra os princípios da concorrência, pois no livre mercado, pode haver redução dos preços em decorrência de um aumento na eficiência de um determinado serviço”, avalia.

Inglez acredita que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deve acolher os processos de empresas que se sentirem prejudicadas pela política do Planalto, tida como intervencionista. “O estabelecimento de um preço mínimo para o frete pode fazer com que as transportadoras se acomodem”, argumenta. “Será como se todas as empresas de uma mesma indústria tivessem combinado preços. No setor privado, isso se chama cartel.”

Uma companhia salineira conseguiu uma decisão na 8ª Vara Federal do Rio Grande do Norte suspendendo a obrigação de obedecer à tabela fixada pelo governo ao firmar contrato de transporte rodoviário de carga. “Resta evidente a intervenção do governo federal na economia, no sentido de impor regulamentação ao setor de transportes de cargas rodoviário, em ofensa aos princípios e fundamentos estabelecidos na Magna Carta”, apontou o juiz Orlan Donato Rocha, no acórdão.

De acordo com Inglez de Souza, mais julgamentos como esse só não ocorreram ainda porque essas MPs estão constantemente sofrendo alterações. Na última sexta-feira (8), por exemplo, o governo federal anunciou que a segunda versão da tabela, publicada na véspera, seria suspensa após críticas de empresários de setores como o agropecuário. Com isso, na prática, voltou a valer o que estava disposto na primeira tabela.

Consequências

A greve dos caminhoneiros e seus desdobramentos também devem gerar judicialização. O sócio tributarista do CSA – Chamon Santana Advogados, Rafael Serrano, ressalta que os gastos do governo em subsídios para manter mais baixos os preços do diesel fizeram com que o Planalto buscasse novas formas de arrecadação. Uma dessas formas foi a Lei 13.670/2018, que trata da reoneração da folha de pagamentos.

“Incluiu-se um dispositivo que veda a utilização de créditos tributários antecipados mensalmente para compensar o imposto para quem opta pela declaração por lucro real”, conta. Esse mecanismo, diz o advogado, é inconstitucional, já que as empresas optaram por recolher pelo lucro real anual sem saber da alteração. “Isso fere o princípio da segurança jurídica”, conclui o especialista.

RICARDO BOMFIM • SÃO PAULO

FONTE: DCI