Desapego, moda sustentável e economia circular ganham mais força em tempos de pandemia.
RIO – Com mais tempo dentro de casa, muita gente aproveitou a deixa para, literalmente, fazer a limpa nos armários. Um verdadeiro bota-fora. Os motivos são variados — de não caber mais nas roupas a só querer desapegar mesmo. O movimento por uma moda mais sustentável só cresce, ensinando as pessoas a darem valor ao que é essencial. Brechós físicos, virtuais e grupos de vendas pelo WhatsApp têm atraído cada vez mais gente interessada em peças usadas e novas a preços reduzidos. De todos os tipos, eles podem ser voltados para vários segmentos do mundo fashion, incluindo o de luxo.
Moradora de Copacabana, a jornalista Raquel Fejgiel conta que a sua relação com brechós e com a economia circular não é de hoje, mas que ganhou ainda mais impulso nesses tempos de pandemia. Ela selecionou peças e mais peças para venda. Com o valor que recebe, investe em novos objetos do desejo.
— Separei algumas peças das quais jamais pensei em me desfazer e coloquei para vender. Com a pandemia, para fazer uma renda extra, precisei movimentar meu “negócio” de roupas usadas. Para atrair os clientes, reduzi o valor de alguns itens que já estavam à venda. Ao mesmo tempo, ao olhar em sites e perfis de venda de produtos, percebi que havia várias pessoas vendendo roupas até com etiqueta e negociando valores de bolsas com o argumento de que precisavam fazer um dinheiro por fora — diz.
Na opinião de Raquel, quem está com dinheiro agora pode aproveitar ótimas oportunidades de compra.
— Por trabalhar com moda, sempre tive contato com muitas marcas. A vontade de ter muitas roupas, bolsas e sapatos é grande, mas, além de não ter muito espaço no guarda-roupa em casa, eu pensava muito nos altos valores gastos em peças novas, vindo direto das lojas. Foi aí que comecei a me aventurar na compra e venda de peças usadas. Sempre gostei de garimpar em brechós pelo mundo e comecei a montar um guarda-roupa que tem 60% das peças de segunda mão — conta Raquel, que costuma postar alguns desapegos nos stories de sua conta no Instagram (@quelpf).
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Dona do brechó virtual Deixe-me Ir (Instagram @deixe.me. ir e site www.deixemeir.com), Monica Bernardes vende roupas e acessórios novos e seminovos de grifes como Louis Vuitton, Hermès, Dior e Diane von Furstenberg, além de marcas nacionais como Cris Barros, Andrea Marques e Lenny Niemeyer. Ela confessa que no começo da pandemia sentiu um baque nas vendas e no volume de peças que são entregues por suas fornecedoras. Mas depois veio a surpresa.
— Junho foi o melhor de todos os meses desde que comecei a trabalhar com o Deixe-me Ir, há dois anos. Foi impressionante. Recebi um volume de peças bem grande. Pintou até secador de cabelos —conta Monica, que separou um dos quartos de seu apartamento, em São Conrado, para guardar o acervo.
Sobre preços, ela diz que também sentiu diferença:
— Tive que reduzir valores, porque as lojas estão oferecendo muitas promoções. Senti essa pressão. Outra percepção foi a de que, apesar de as pessoas não estarem saindo, elas não querem perder a oportunidade de realizar boas compras. A pandemia acelerou um movimento que já vinha acontecendo.
Monica acrescenta que a higiene é uma preocupação dela e também das clientes.
— Sempre fui muito rigorosa com isso, e agora sou mais do que nunca. Tudo o que recebo é lavado e muito bem higienizado —assegura.
Nas araras, mix entre peças usadas e outras com etiquetas
No Meu Brechó Itinerante (@meu_brecho_itinerante), na Rua Humaitá 71, Chris Solon atende uma cliente de cada vez, conforme avisa uma placa colocada por ela logo na entrada. Na última quinta-feira, a figurinista Juliana Ibarra esteve por lá para conferir as novidades.
— As pessoas engordaram e emagreceram muito também. A pandemia mexeu muito com todo mundo. O movimento de compra está voltando aos poucos. Por outro lado, não tenho mais espaço para guardar as peças que chegam. Decidi receber novas peças em consignação só a partir do ano que vem — conta Chris.
Para Sandra Tolentino, consultora de moda e estilo, com formação em Design de Moda e Styling pelo IED Rio, o isolamento nos mostrou o quanto precisamos de pouco. Na opinião dela, a ideia de adquirir um produto usado ganhou status de cool e original, mas já há algum tempo. O período de pandemia só potencializou uma tendência que vem se firmando nos últimos tempos.
— Aquilo que não serve mais para você pode fazer a diferença em outro armário. O autoconhecimento é um grande aliado nesse processo. As compras baseadas em propósito e que sejam duráveis nunca fizeram tanto sentido. O termo slow reaparece como uma luz no fim do túnel, e o planeta nos cobra diariamente uma forma de conter esse ciclo que polui, superlota os aterros e lixões. Em muitos casos não há reciclagem. Por isso, a moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo — diz a consultora.
Sandra conta que sempre fica atenta a oportunidades em brechós. Ela tem peças de grifes nacionais e internacionais adquiridas de segunda mão, como uma bolsa Pucci comprada em junho por um valor muito abaixo do que o pago nas lojas da marca.
— Meu trabalho como consultora de imagem vem ao encontro desta filosofia, orientar as clientes a terem um armário condizente com sua imagem pessoal. O excesso não traz a assertividade de que tanto precisamos em nosso dia a dia. Oriento sempre minhas clientes, depois de uma das etapas da consultoria, a separar algumas peças para doações e outras para brechós — diz.
O brechó Anexo Vintage (@brechoanexovintage) reabrirá as portas no dia 1º de setembro, no 1º piso do Shopping da Gávea. As bolsas de grife são o carro-chefe do negócio comandado por Lila Studart e pela ex-modelo Carla Pádua.
— Recebemos um volume de peças 20% maior do que o que chegava normalmente. As pessoas fizeram verdadeiras limpas nos seus armários. Tudo o que recebemos têm ficado em quarentena. Além disso, teremos que fazer um rodízio na loja, porque não temos espaço para expor tudo — diz Lila.
A larga experiência no varejo e uma ampla rede de clientes levaram Francis Murucci a seguir seu próprio caminho e abrir uma loja na Galeria Fiamma, em Ipanema, bairro onde trabalhou durante anos como gerente da extinta Mara Mac. A proposta da Art Francis é atender a diversos perfis de mulheres, fazendo um mix entre peças novas e seminovas.
— Mesmo em tempos difíceis, acredito numa loja com vários segmentos de produtos, incluindo peças seminovas, muitas ainda com etiquetas, de marcas como A.Brand, Animale, Cris Barros e Mara Mac. Outra aposta será apresentar uma nova marca de produtos, a Simples, criada pelos estilistas Luciano Canale e Isabela Dreux — diz.
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