Acidente de trajeto: as considerações da CLT

Em novembro de 2017, a lei n° 13.467, conhecida como Reforma Trabalhista, foi aprovada. Você sabe o que essa legislação trouxe de mudanças quando o assunto é Acidente de trajeto?

Até então, se um trabalhador fosse vítima de um atropelamento em seu caminho de casa para a empresa, por exemplo, tínhamos um acidente de trabalho. Entretanto, o texto da Reforma abre brecha para que essa classificação já não se aplique.

Isso nos leva a relevantes mudanças tanto para o empregador quanto para o trabalhador. E ainda, cria uma polêmica que precisa ser compreendida para que você entenda como a Justiça do Trabalho pode analisar e julgar a situação. Continue a leitura para saber mais!

Acidente de trajeto


A ‘polêmica’ do acidente de percurso

É fácil deduzir que o acidente de percurso, também referido como acidente de trajeto, é aquele que acontece com o funcionário durante sua ida ao trabalho ou a sua volta para casa após o fim do expediente. Acidentes no caminho faculdade-trabalho ou trabalho-faculdade também contam.

Para entender a polêmica, começamos com a lei n° 8213, de 1991, dispõe sobre os benefícios da Previdência Social e elenca quais as situações são consideradas equivalentes ao acidente de trabalho. Veja só:

“I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.

Como base neste texto, a interpretação é de que o acidente de percurso é sim um acidente de trabalho. Entretanto, as novidades apresentadas pela Reforma Trabalhista, aprovada em novembro de 2017, acenderem o debate e a polêmica acerca da situação.

A Reforma alterou o artigo 58 da CLT que agora, em seu segundo parágrafo, determina o seguinte:

O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador“.

Ora, se o tempo em que o funcionário está em seu trajeto de ida ou volta da empresa não é considerado tempo à disposição do empregador, o acidente de trajeto não é um acidente de trabalho! E agora, qual trecho de legislação considerar? Como o empregador deve proceder? Eis a polêmica.

A Reforma Trabalhista e o acidente de percurso

A simples comparação entre os trechos da legislação que abordam o acidente de trajeto abre brecha para se chegar à conclusão de que a Reforma Trabalhista mudou o que havia sido estabelecido até então.

Claramente, a Reforma definiu mudanças no que diz respeito ao tempo à disposição do empregador que, até então, fazia com que o período gasto pelo trabalhador em seu deslocamento na ida e na volta da empresa fosse remunerado.

Para que fique claro o que mudou, considere uma situação em que a empresa X oferece transporte para levar seus funcionários até o local de trabalho que fica distante do centro urbano. Até antes da Reforma Trabalhista, o tempo gasto nesse deslocamento era incluído na jornada de trabalho

Consideremos que a jornada dos funcionários da empresa X seja de 8 horas diárias. Nesse cenário, se os funcionários passavam 1 hora dentro do ônibus no trajeto de ida e mais 1 hora no trajeto de volta, sua jornada prática era reduzida a 6 horas de trabalho.

Agora, o tempo em deslocamento já não faz parte da jornada, ou seja, o total de 2 horas gastas no trajeto de ida e volta ao trabalho já não é contabilizado. Isso faz com que, ao chegar à empresa X, os funcionários tenham que cumprir as 8 horas completas a cada dia. Entendeu a diferença que fez com que o percurso deixasse de ser remunerado?

Como ficou a questão do acidente

Ainda, com a margem que a Reforma abriu, caso aconteça um acidente no percurso casa-empresa ou empresa-casa , a tendência é de que este não seja configurado como acidente de trabalho.

Fala-se em tendência porque a polêmica surge de uma interpretação das leis, que abre brecha a uma avaliação distinta. Isso, inclusive, faz com que a situação seja alvo de Medidas Provisórias apresentadas por parte de quem busca mais clareza no fato de que o acidente que acontece no trajeto não deve mesmo ser entendido como acidente de trabalho.

A única exceção clara para a situação seria em uma circunstância em que o acidente acontece durante a realização de um trabalho externo porque o período, neste caso, é tempo à disposição do empregador.

Com tudo isso, a princípio, se um acidente de trajeto acontece, o funcionário acidentado tem direitos ― como veremos adiante ―, mas perde alguns benefícios que são característicos do acidente de trabalho.

Diante dessa situação, caso o trabalhador se sinta lesado e decida buscar esses benefícios, a decisão fica nas mãos da Justiça do Trabalho, fazendo valer a interpretação que o juiz faça da legislação. Essa interpretação pode, inclusive, ser contrária ao que a mudança proposta pela Reforma Trabalhista sugere, fazendo com que o empregador esteja em débito com seu funcionário.

Direitos e deveres no acidente de trajeto

Ainda que a decisão final esteja nas mãos da Justiça, vamos avaliar os direitos e deveres envolvidos na situação levando em conta que o acidente de trajeto deixou de ser considerado como acidente de trabalho.

Antes da Reforma Trabalhista, quando o um acidente de trajeto acontecia, era necessário emitir um documento chamado Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que devia ser encaminhado à Previdência Social. 

Com as mudanças apresentadas pela nova lei trabalhista, discussões sobre a obrigatoriedade da emissão do CAT surgiram, indicando que o empregador já não tem essa responsabilidade. Entretanto, é preciso saber que a não emissão do documento pode sujeitar a empresa ao pagamento de multa administrativa.

É necessário salientar que o próprio trabalhador ou seus representantes, o sindicato da categoria, o médico da perícia ou outra autoridade também podem emitir o CAT. O documento é importante porque é por meio dele que o funcionário obtém o auxílio-doença acidentário.

Aconteceu um acidente, e agora?

Caso um funcionário sofra um acidente de trajeto, a menos que a empresa queira assumir essa responsabilidade, cabe ao próprio trabalhador providenciar a emissão do CAT para a Previdência Social.

A partir daí, uma perícia médica feita por profissional autorizado pelo INSS é realizada para comprovar que o que aconteceu, de fato, foi um acidente de trajeto. 

A avaliação do profissional também serve para determinar a necessidade do afastamento do trabalhador de suas atividades e o tempo estipulado. Tanto empregadores quanto trabalhadores devem saber que não há um prazo limite para o afastamento por acidente de trajeto. 

Durante os primeiros 15 dias da ausência do funcionário acidentado em recuperação, é dever da empresa fazer o pagamento de seu salário ou o repasse da remuneração devida. Após esse prazo, a responsabilidade passa a ser do governo, por meio do INSS.

Enquanto a situação era considerada como um acidente de trabalho, era dever do empregador manter o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) durante todo o período de afastamento. Com a Reforma, essa regra deixa de valer.

Ainda, até então, em sua volta à empresa o trabalhador afastado em decorrência do acidente de trajeto tinha direito a estabilidade de 12 meses. Com as mudanças apresentadas pela lei n° 13.467, essa estabilidade já não existe, o que faz com que o funcionário possa ser demitido antes do intervalo de um ano após o seu retorno.

Nessa perícia, o médico avalia se o acidente de fato incapacitou temporariamente o funcionário e estipula uma data para o seu retorno aos trabalhos. 

Caso, antes do fim do prazo, o funcionário sinta que ainda não está preparado para retornar às suas atividades normais, pode solicitar uma nova perícia pelo site “Meu INSS“. Uma nova avaliação é feita para decidir se o afastamento deve ou não ser prolongado.

Quem tem direitos em um acidente de trajeto?

Todos os direitos acima mencionados, assim como os deveres que a empresa tem perante o trabalhador, são destinados àqueles que têm carteira assinada ou um contrato válido e cuja contribuição ao INSS esteja com os pagamentos em dia.

É importante esclarecer que profissionais independentes que prestam serviços, como o caso de um Microempreendedor individual (MEI), são os responsáveis pelo recolhimento do próprio imposto. Uma situação diferente do que acontece em uma contratação com a Carteira de Trabalho assinada em que essa responsabilidade é do empregador.

Em todo caso, é preciso destacar ainda que, para ter direito ao auxílio-doença previdenciário após um acidente de trajeto, o trabalhador deve ser segurado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Conclusão

No fim das contas, a polêmica permanece e pode caber à Justiça decidir se o acidente de percurso deve ou não garantir ao trabalhador os mesmos direitos que um acidente de trabalho assegura.

Entretanto, a análise do texto da Reforma Trabalhista abre espaço para que a empresa se defenda quanto a sua decisão de não emitir o CAT e não recolher o FGTS do acidentado.

Com tudo isso, para finalizarmos, que tal recapitular as mudanças com um antes e depois da Reforma Trabalhista no que diz respeito aos acidentes de percurso? Veja só:

ANTES da REFORMA DEPOIS da REFORMA
Acidente de percurso é acidente de trabalho Acidente de percurso deixa de ser acidente de trabalho
O empregador tinha a responsabilidade de fazer a emissão do CAT A emissão do CAT é entendida como não obrigatória para o empregador
Trabalhador acidentado tinha direito ao auxílio-doença Trabalhador acidentado tem direito ao auxílio-doença
Empresa tinha que pagar salário durante os primeiros 15 dias de afastamento Empresa deve pagar salário durante os primeiros 15 dias de afastamento
O INSS assumia o repasse financeiro após 15 dias O INSS assume o repasse financeiro após 15 dias
Empresa era obrigada a recolher FGTS durante todo o período de afastamento Empresa não é obrigada a recolher o FGTS durante o período de afastamento
Após o retorno, funcionário tinha estabilidade, não podendo ser demitido por 12 meses Após o retorno, a estabilidade para o funcionário já não existe e a demissão pode acontecer antes dos 12 meses

Ao conhecer a legislação e entender o que os textos dizem sobre o acidente de percurso, o empregador pode se preparar melhor para tomar sua decisão. Os possíveis desdobramentos de suas ações devem ser analisados com cuidado, sabendo que um juiz pode ter a palavra final em uma eventual ação judicial.

Em todo caso, direitos e deveres estão envolvidos e é interessante que tanto empregadores quanto funcionários estejam bem informados quanto a isso. A transparência com relação ao que a empresa entende pode aumentar as chances de um bom relacionamento entre as partes, afastando a polêmica sobre o que é ou não devido em caso de acidente de trajeto.

Conteúdo Original Blog Tangerino