Quotas Preferenciais e formas de organização da Sociedade Limitada: maior agilidade e segurança nos investimentos imobiliários

Sociedade Limitada investimentos imobiliários

O objetivo deste artigo é demonstrar as novas possibilidades societárias que possam ajudar no desenvolvimento do mercado imobiliário, com reflexo direto na segurança entre os sócios e administradores, por meio da utilização da sociedade limitada, inclusive na sua famosa espécie “sociedade de propósito específico”, com a adoção no Contrato Social das quotas preferenciais, em tesouraria, conselho de administração e conselho fiscal .Para tanto, primeiramente relembrar-se-á da importância deste veículo de investimento, com foco na possibilidade de utilização da regência supletiva da legislação da sociedade anônima, seguindo para uma contextualização dos novos (velhos) institutos da sociedade limitada que a partir de 2 de maio de 2017, quando entrou em vigor a Instrução Normativa nº 38, publicada pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI em 3 de março de 2017 (IN 38/2017), autorizou as juntas comerciais a registrarem os contratos sociais com estas disposições e, finalmente, trazendo opinião e sugestões sobre as possibilidades criadas ao empresariado com isto. Espera-se que a leitura desse estudo possa trazer mais segurança ao tráfego comercial, com o desenvolvimento de novos produtos imobiliários, aumentando a segurança negocial e jurídica.

A importância das Sociedades Limitadas

As sociedades empresárias são taxativamente enumeradas na lei, destacando-se a sociedade limitada e a sociedade anônima . Estas duas espécies de sociedades adaptam-se com perfeição aos anseios dos sócios de criarem pessoa jurídica, com deveres e responsabilidades distintas dos detentores da participação societária , trazendo responsabilidade limitada ao capital subscrito e integralizado pelo quotista/acionista.

Ainda, há a possibilidade de inserção de regras de governança corporativa (cada vez mais em uso), que tendem a entregar transparência e diminuir o conflito de interesse entre os sócios e entre administradores e sócios. O veículo mais tradicional, no mercado imobiliário, para a exploração do que denominamos produtos imobiliários é a sociedade limitada , justamente pela facilidade de constituição e menor exigência legal de procedimentos societários (assembleias, órgãos societários, publicações, etc.), o que tende a diminuir burocracias e custos na operação, com o consequente ganho de agilidade nas decisões societárias e sigilo dos documentos – contábeis – da empresa.

É possível imaginar a constituição de sociedade limitada com os mais diversos objetos sociais para o desenvolvimento de produtos imobiliários: (i) novas técnicas de construção; (ii) junção de esforços para a construção de imóveis de baixa (alta) renda; (iii) criação de software de gestão de obras; (iv) novos designs de móveis e utensílios domésticos; (v) cobrança de alugueis e condomínios; (vi) incorporação de terrenos e sua futura venda ao público entre outros.

Algumas destas possibilidades podem ser inclusive fruto de uma startup do setor e a depender dos sócios e do seu apetite quanto ao risco, estes precisarão de mais ou menos recursos/financiamentos externos. O contrato social é o negócio jurídico pactuado entre dois ou mais sócios, fruto da autonomia privada, com o objetivo de unir os contratantes para um fim comum: a consecução do objeto contratual sob a ótica da exploração de determinada atividade econômica, in casu, um produto imobiliário.
Da união destes sócios, que não podem ou não querem desenvolver determinadas atividades sozinhos, espera-se que haja a consecução do objeto social, preservando se possível, o lucro do empreendimento.

Para se preservar os interesses dos sócios, o controle societário e para criar mecanismos mais seguros de interação entre os sócios e administradores, a IN 38/2017 alterou os manuais de registro de empresário individual, sociedade limitada, empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI, cooperativa e sociedade anônima, permitindo, entre outros atos, a oportunidade de admitir quotas preferencias, quotas em tesouraria, conselho de administração e conselho fiscal, figuras típicas da sociedade anônima. Confira-se:

Regência Supletiva da Lei 6.404/1976 (Lei da Sociedades Anônimas)

O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, conforme art. 1053, parágrafo único do Código Civil.
Para fins de registro na Junta Comercial, a regência supletiva:

I – poderá ser prevista de forma expressa; ou
II – presumir-se-á pela adoção de qualquer instituto próprio das sociedades anônimas, desde que compatível com a natureza da sociedade limitada, tais como:

a) Quotas em tesouraria;
b) Quotas preferenciais;
c) Conselho de Administração; e
d) Conselho Fiscal.

Assim, além de trazer importantes mudanças relativas à constituição de EIRELI, que agora pode ter como titular pessoa jurídica nacional ou estrangeira, notícia excelente para o desenvolvimento de estruturas societárias mais complexas, como holdings patrimoniais e de gestão, a IN 38/2017 permitiu, repita-se, a adoção de institutos até então utilizados principalmente nas sociedades anônimas, como manutenção de quotas em tesouraria, aquisição de quotas da própria sociedade, adoção de quotas preferenciais e presunção de regência supletiva pela Lei 6.404, de 15 de novembro de 1976 (Lei das S.A. ou Lei do Anonimato).

Ainda, confirmou a possibilidade de adoção pela sociedade limitada do conselho de administração, figura somente existente na Lei do Anonimato e do conselho fiscal disciplinado no Código Civil, mas pouco utilizada no dia a dia da sociedade limitada. Novas e velhas figuras, como veremos no próximo capítulo, reforçam a utilização da sociedade limitada, permitindo aos agentes econômicos o seu desenvolvimento com melhor gestão corporativa e consequente tranquilidade societária.

As Quotas Preferenciais e demais estruturas permitidas: manutenção de quotas em tesouraria, conselho de administração e conselho fiscal

As sociedades limitadas, por força do parágrafo único, do artigo 1.053 do Código Civil podem ter regência supletiva pelas regras da sociedade anônima . Isto significa que a natureza intuito persona das relações contratuais perderia espaço para a natureza intuito pecúnia típica das relações institucionais. Em bons termos: perderia a importância a qualidade das pessoas que compõem o quadro societário para se dar mais relevância à quantidade de valor investido (dinheiro e bens), aumentando-se, em tese, a estabilidade do vínculo societário e diminuindo as hipóteses de retirada dos sócios. Quanto mais rígido o vínculo societário, menor a chance de descapitalização da sociedade com o pagamento de valores ao sócio retirante.

Neste caminho, a incidência das regras da lei do anonimato tende a proteger, em estruturas societárias maiores, a consecução do objeto social e consequentemente a preservação da empresa e sua função social.

A IN 38/2017 assevera que existindo disposições encontradas na Lei das S.A. há a regência supletiva desta Lei. Ao menos dois pontos devem ser destacados, com preocupação.

O primeiro éque “instrução normativa” (se considerada norma jurídica ) é regra hierarquicamente inferior a lei ordinária, no caso o Código Civil, que disciplina a sociedade limitada em parte especial . Assim, se há disposição clara no diploma civil exigindo expressa manifestação no contrato social sobre a incidência da lei das S.A., não pode uma regra administrativa dispensar tal exigência, mesmo que pareça óbvia a adoção supletiva pelos sócios de tal Lei com, por exemplo, a instituição de conselho de administração.
Passar por cima de uma regra clara e importante de hermenêutica, que deve ser discutida e refletida entre os sócios, traria patente insegurança jurídica.

O segundo ponto decorre do primeiro. Imaginemos um contrato social sem cláusula de regência supletiva pela Lei das S.A., mas disciplinando o conselho fiscal naquela sociedade. Mais duas questões sobressaem-se: (i) todas as disposições daquele contrato social deverão ser analisadas sob a ótica da Lei das S.A. ou somente o capítulo sobre conselho fiscal? e (ii) neste caso em especial, e não obstante a IN 38/2017, o Código Civil, lei especial neste caso, trata deste instituto de forma diferente do que a Lei do Anonimato. O que fazer?
Em uma primeira interpretação e sob pena de se criar um Frankenstein ou melhor, um monstro de duas cabeças, nos parece que a melhor forma é alterar a instrução normativa ou, na impossibilidade – mais provável –, que toda a estrutura da sociedade limitada seja interpretada pela lei do anonimato, não só partes pontuais, respeitando-se, primeiramente, as disposições específicas na legislação que as rege, o Código Civil.

Resolvida a questão sobre a interpretação da sociedade limitada, passemos as novas alternativas contratuais entre os sócios, lembrando as palavras de Rachel Sztajn : “a liberdade contratual pode criar uma variação tipológica”.

Quotas Preferenciais

Investimentos em produtos imobiliários, da incorporação à startups de gestão de resíduos em construção necessitam de investimentos financeiros. Uma forma de evitar a diluição do controle societário, que poderá permanecer com o empreendedor, mas, ao mesmo tempo, atrair recursos garantindo baixo risco para o investidor, seria a emissão de quotas preferenciais, sem direito a voto (ou com direito a voto em matérias selecionadas pelo investidor).

Fabio Ulhôa define que: as ações preferenciais são aquelas que atribuem ao titular uma vantagem na distribuição dos lucros da sociedade entre os acionistas. A natureza e a extensão da vantagem devem ser definidas pelo estatuto, que lhes deve assegurar, por exemplo, o recebimento de um valor fixo ou mínimo, a título de dividendos .
Na mesma obra, abordando a desvantagem comum a este tipo de ação, considera que: assim como goza de vantagem na distribuição de dividendos, o preferencialista pode ter o direito de voto limitado ou suprimido pelo estatuto .

Lembre-se: a Lei das S/A possibilita que os estatutos das sociedades anônimas vetem ao titular de ações preferenciais o voto nas assembleias gerais, o que significa excluí-lo do voto, mas não do direito participar e falar (direito de voz) nas decisões de interesse da companhia. Esta vantagem perceptível (emissão de ações preferenciais) das Sociedades Anônimas tornou-se possível às Sociedades Limitadas , somada a seus benefícios em razão de sua sistemática simplificada como também pelo baixo custo de manutenção. É possível emitir 50% das quotas como ordinárias e os outros 50% como preferenciais.

A quota preferencial em uma sociedade limitada desvincula sua característica de Intuitu personae para se assemelhar a de Intuitu pecuniae, representando importante instrumento para viabilização de captação de investimentos em razão das vantagens econômicas que os titulares se beneficiam, previstas nos incisos 17 da Lei das S/A .
Empreendedores e investidores ganham com a nova possibilidade, os primeiros garantindo o controle societário e a direção no futuro do negócio e os segundos a preferência na distribuição de lucros e veto em operações sensíveis à sociedade (ex. contração de novo empréstimo ou em eventual operação societária).

Quotas em Tesouraria

A lei do anonimato permite que a sociedade anônima adquira as suas próprias ações, mantenha-as em tesouraria e negocie com elas em hipótese taxativamente descritas na Lei , a princípio sem a redução de capital social . Que fique claro: a regra é a proibição da negociação com as próprias ações para evitar a manipulação de seu valor e não restringir os direitos essenciais dos acionistas.

Entretanto, tal operação é importante para resolver possíveis conflitos societários, como por exemplo, no exercício de direito de retirada do quotista. A sociedade fará o reembolso das quotas ao sócio retirante, podendo aliená-las em outro evento. Outras possibilidades são recebimento de quotas por doação ou criação de um plano de incentivo aos colaboradores através do “stock option”.

Assim, atualmente existe a possibilidade de quotas serem adquiridas, mantidas e negociadas pela própria sociedade, questão pacificada com a instrução normativa em estudo, com base no disposto no art. 30, §1º, “b” e “c”, da Lei das S.A .
Mais uma vez, observa-se a possibilidade de sócios e administradores serem criativos na gestão da sociedade, tudo para incentivar o seu crescimento e resolver eventuais conflitos societários .

Conselho de Administração e Conselho Fiscal

Os órgãos necessários da sociedade são: a assembleia de sócios (ou reunião de quotistas em limitadas com menos de 10 sócios), conselho de administração, conselho fiscal e administradores. Modesto Carvalhosa, discorrendo sobre a sociedade anônima, resume o tema: “A assembleia geral é um órgão integrante do regime de organização interna da companhia, estabelecido por lei, com funções deliberativas e de verificação da legalidade e legitimidade (abuso, desvio de poder) dos órgãos de administração social. Forma com a diretoria, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal os órgãos necessários da companhia .”

O Código Civil disciplina a assembleia de sócios (art. 1.071), o conselho fiscal (art. 1.066 ) e os administradores (1.060), sendo silente quanto ao tema do conselho de administração. Porém, na prática inúmeras sociedades limitadas, com o objetivo de se estruturarem melhor, incluíam(em) em seus contratos sociais uma organização societária e de distribuição de deveres e responsabilidades similar a sociedade anônima. A IN 38/2017, em nossa opinião, somente reforçou esta possibilidade, trazendo segurança aos sócios, conselheiros e administradores deste tipo societário.

Ainda, incentivou a racionalidade do fluxo de informação, agilidade e fiscalização do processo decisório, economia de custo etc., afora poder oxigenar a sociedade com conselheiros externos (não sócios), que saem do dia a dia do negócio, trazendo novidades e visões diferenciadas do mercado.
Assim, os administradores de uma sociedade limitada, com conselho de administração, deverão verificar a competência do órgão para as matérias a serem discutidas e deliberadas para primeiro submeter aos conselheiros a decisão a ser tomada e, em um segundo momento, e se o caso, submeter a assembleia geral.

Em especial quanto ao conselho fiscal é necessário previsão expressa no contrato social; na S.A. sempre bom lembrar, o órgão é dormente e não precisa estar previsto, necessariamente, no estatuto social. Os órgãos da sociedade permitem que o produto imobiliário a ser desenvolvido possa ter melhor gestão e fiscalização, com mais harmonia entre sócios empreendedores e sócios investidores ou mesmo entre sócios majoritários e sócios minoritários: basta imaginar que os sócios minoritários (ou o sócio investidor – private equity – muitas vezes minoritário) tenha o direito contratual ou legal de indicar e eleger um membro para o conselho de administração e um membro para o conselho fiscal.

Vale lembrar que o produto imobiliário a ser desenvolvido pode no decorrer de sua exploração enfrentar diversos problemas, como recessão econômica, atrasos na integralização do capital social, dificuldade de obtenção de documentos regulatórios, adequação ao plano diretor, discórdia quanto ao melhor projeto arquitetônico, necessidade de mútuo bancário, cumprimento do plano de marketing, consecução do preço ideal da unidade autônoma, dúvidas legais e regulatórias, melhor empresa de construção etc. São nesses momentos que o conselho de administração e o conselho fiscal podem ajudar na solução de problemas e na fiscalização das contas, respectivamente, incluindo na competência do primeiro ainda a elaboração de um plano de ação alternativo, se o caso, para a sociedade.

Acrescente-se, ainda, que muitas das decisões estratégicas da sociedade, não obstante o conselho de administração, cabem exclusivamente aos sócios, que se não alcançarem o consenso podem acabar em litigio, devendo sempre incidir o princípio da segurança negocial no direito societário .

Conclusões

O desenvolvimento dos produtos imobiliários depende da sinergia entre sócios e administradores, investimentos e, lógico, boas e vendáveis ideias. Um veículo societário capaz de harmonizar interesses diversos, com riscos mitigados, é a sociedade limitada. Com a IN 38/17, a sociedade limitada ganhou mais segurança para utilizar institutos de organização do controle (quotas preferenciais e em tesouraria), bem como de organização administrativa (conselho de administração e conselho fiscal) típicos da sociedade anônima. Isto significa também a regência supletiva de suas normas pela Lei do Anonimato, atribuindo a sociedade limitada maior rigidez societária, dificultando a saída do sócio, com sua natureza intuito pecúnia.

Tais introduções coadunando-se com os princípios de governança corporativa e sempre se sugere, para evitar desgastes desnecessários, a inclusão nos contratos sociais ou no acordo de quotista, de cláusulas de estabilização social como reunião de sócios para tratativas das matérias, prevendo a votação dos principais pontos sensíveis para os sócios e para a sociedade, forma de administração (conselho de administração e conselho fiscal) e outorga de procuração, regras claras para cessão e transferência de quotas, forma do cálculo visando a apuração de haveres e modo de solução de conflito – mediação e arbitragem.

A negociação de um contrato social e acordo de sócios preventivo certamente será essencial para desenvolvimento do produto imobiliário, fim maior, aconteça, mas sempre respeitados e sopesados os interesses dos sócios e administradores. Assim, independentemente de serem novos ou velhos institutos, espera-se que a “nova” estrutura societária da sociedade limitada traga mais facilidade de investimento e financiamentos, potencializando o desenvolvimento dos negócios, com segurança.

Daniel Bushatsky é advogado. Doutor e mestre em Direito Comercial pela PUC/SP. Professor assistente da pós-graduação em Direito Empresarial da PUC (Cogeae), professor de Direito Empresarial do Mackenzie. Professor de Direito Processual Civil da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Sócio da Advocacia Bushatsky.