Analistas do BofA e do Credit destacam preferência pela Cyrela em meio ao cenário otimista; contudo, eles também chamam a atenção para os riscos no setor
SÃO PAULO – A pandemia do coronavírus gerou uma forte aversão ao risco para o mercado em geral, com diversas atividades sendo impactadas em meio ao alto grau de incerteza para a atividade econômica. Isso não foi diferente com os setores imobiliário e de construção civil que, após um início de 2020 bastante forte, sofreu o impacto imediato da pandemia a partir de março, com lançamentos postergados e forte queda nas vendas.
Contudo, passados mais de seis meses, os números sugerem uma forte recuperação das atividades no setor, ficando inclusive além da retomada da atividade econômica de um modo geral.
“As vendas de cimento, a produção de insumos típicos da construção civil, o volume de financiamento imobiliário e a própria venda de imóveis no mercado primário sugerem que o setor já retomou o nível de atividade anterior à pandemia, ou está muito próximo dele”, destaca a equipe de análise econômica do Bradesco. Por exemplo, em setembro, o volume de vendas do produto contou com uma elevação de 21,4% em setembro em relação ao mesmo mês do ano passado.
Thiago Angelis e Fabiana D’atri, economistas do Bradesco, apontam ainda que, além do relato de aumento de custos dos insumos no atacado, no varejo os indicadores também apontam para venda de materiais de construção cerca de 30% e 40% acima dos níveis de fevereiro. Além disso, os números do mercado de trabalho na construção civil também confirmam esse cenário: a quantidade efetiva de horas trabalhadas vem se aproximando do nível pré-pandemia, mesmo em um setor com elevado nível de informalidade.
As expectativas também são positivas para os próximos anos, por uma combinação de alta do crédito, taxas de juros baixas e apoio do governo.
Contudo, apesar das expectativas otimistas, o Índice Imobiliário da B3, que tem como principal objetivo demonstrar o desempenho das principais empresas que atuam no setor, ainda registra forte queda de 32,8% no acumulado do ano até o fechamento da última quarta-feira (7), quando chegou a 933 pontos. A baixa é bem superior a do Ibovespa, que cai 17,4% no mesmo período. Assim, apesar da recuperação frente à mínima atingida no ano em 23 de março, de 658 pontos (com ganho de 41,7% desde então), o índice segue ainda distante das máximas de 24 de janeiro de 2020, quando fechou a 1.527 pontos, quando também alcançou a máxima histórica.
Mas o que explica esse movimento? O Credit Suisse destaca dois pontos principais para isso, com foco especial para as ações do setor de renda média, que vêm registrando uma performance pior do que o Ibovespa em 15% desde julho.
Para os analistas, o fraco desempenho ocorreu tanto pela aversão a risco do mercado e busca por proteção em meio a incertezas e também por conta das fortes operações de abertura de capital do setor.
O setor de habitação registrou uma das janelas de IPOs [Initial Public Offerings] mais movimentadas de todos os tempos durante julho e agosto, com um cronograma total de 23 negócios, ressaltam os analistas. Apenas em 2020, Mitre (MTRE3), Melnick (MELK3), Moura Dubeux (MDNE3), Lavvi (LAVV3), Plano&Plano (PLPL3) e Cury (CURY3), essas três últimas subsidiárias da Cyrela (CYRE3), estrearam na Bolsa. Outras companhias, como a Pacaembu, adiaram a abertura de capital.
Para Daniel Gasparete e Vanessa Quiroga, analistas do banco suíço, esse volume de transações pode ter afetado o desempenho das ações, uma vez que (i) os investidores que não estavam dispostos a aumentar a exposição ao setor venderam posições em ações já listadas para entrarem em novos nomes; (ii) a reação das ações estreantes na B3 não foi positiva em sua maioria, possivelmente prejudicando o sentimento para o setor em geral e; (iii) os investidores tiveram que canalizar sua atenção para os estreantes, passando a olhar menos para outros cases de investimento.
Com isso, apesar da recuperação muito mais rápida do que esperado inicialmente, sendo um dos poucos setores voltando ao patamar pré-Covid, as ações do setor aparecem como bastante descontadas, avaliam.
Passado esse período, o Credit, embora acredite que o setor como um todo deva se beneficiar, destaca empresas com maior liquidez e de alta qualidade, com preferência por Cyrela e EzTec (EZTC3) e com atenção para a primeira companhia.
“Acreditamos que a Cyrela deva ser o nome de melhor desempenho impulsionado por um impressionante desempenho operacional (vendas líquidas, provavelmente, tão altas quanto no quarto trimestre de 2019), fortes números financeiros e um valuation atrativo (ajustado após os IPOs de suas subsidiárias)”, apontam. No ano, as ações caem 17%. O preço-alvo do Credit para os ativos CYRE3 é de R$ 33, o que corresponde a um potencial de valorização de 34,7% em relação ao último fechamento. Já para EZTC3, o preço-alvo é de R$ 51 (alta de 41% em relação ao fechamento da véspera).
Além dessas, as expectativas positivas são positivas para Even e também para a estreante na Bolsa em 2020 Moura Dubeux. Entre os catalisadores que devem ser importantes para os papéis, estão os dados prévias de vendas do terceiro trimestre. Neste sentido, a Moura Dubeux, com operações na região Nordeste, viu suas ações subirem 10,20% na última quarta-feira após apresentar sua prévia operacional do terceiro trimestre de 2020, com avanço anual de 264,4% nas vendas contratadas no período, totalizando R$ 317,4 milhões no período. Contudo, desde a sua estreia em 13 de fevereiro até o pregão do último dia 7, os papéis já caíram 40,8%.
Os meses finais do ano também devem ser positivos, apontam os analistas. “Esperamos que outubro e novembro sejam marcados por fortes números operacionais e melhoria dos resultados. As vendas líquidas devem ficar acima dos níveis pré-Covid (40% acima do primeiro trimestre) impulsionadas por taxas recordes de financiamento imobiliário e crédito abundante, sendo um dos melhores trimestres para o segmento”, avalia o Credit.
Recuperação pode ser duradoura
Para o Bank of America, este pode ser apenas o início de um ciclo de recuperação que pode durar vários anos, também avaliando a Cyrela entre as preferidas.
De acordo com Nicole Inui, David Beker e Ana Madeira, analistas do banco, o que torna este ciclo bastante diferente dos ciclos anteriores é o ambiente de taxas de juros não só baixas para o Brasil em termos históricos, mas realmente baixas, uma vez que a Selic se encontra a 2% ao ano.PUBLICIDADE
Destoando do consenso de mercado, eles preveem a taxa básica de juros a 1,75% ao final de 2020, com uma alta de 3,25% em 2021. Já em ciclos de flexibilização anteriores, as taxas chegaram a 7,25%.
“As taxas de juros baixas têm grandes implicações, além do aumento típico da acessibilidade. Os investidores estão transferindo o dinheiro de fundos de renda fixa, que estão com baixo rendimento, para o setor imobiliário, elevando a demanda por imóveis. Os investidores também estão transferindo dinheiro para contas de poupança, o que, por sua vez, aumenta o crédito disponível para empréstimos imobiliários. Os bancos brasileiros devem destinar 65% das cadernetas de poupança para habitação”, apontam os analistas.
Eles também avaliam que os compradores de imóveis não estão apenas aproveitando as taxas baixas, mas também novos tipos de financiamento oferecidos por bancos. “Muitos bancos privados refletiram os esforços da Caixa para diminuir as taxas e expandir a oferta de financiamento”, ressaltam, apontando casos como os da Caixa e do Itaú, com crédito indexado à poupança, com taxas inferiores a 6% ao ano.
Além disso, o governo também está desempenhando um papel de suporte ao ampliar o crédito via Caixa e pelo programa de habitação popular, que foi rebatizado de Casa Verde Amarela. A Caixa aumentou a oferta de crédito para habitação em 19% no segundo trimestre de 2020 na comparação anual e agora representa uma participação de 43% dos novos financiamentos do ano, ressalta o BofA.
Entre as recomendações do banco americano, além das ações da Cyrela, estão a BR Properties (BRPR3), Tenda (TEND3), Direcional (DIRR3) e Log Commercial Properties (LOGG3), enquanto a recomendação é neutra para EzTec (EZTC3) e underperform (desempenho abaixo da média) para Even (EVEN3) e MRV Engenharia (MRVE3).
No acumulado do ano, os papéis BRPR3 caem 36%, Even tem queda de 25%, EzTec tem baixa de 28%, MRV tem desvalorização de 22% e Tecnisa registra uma forte queda de 45%.
Essa visão positiva pode inclusive impulsionar as ações de outros setores, como é o caso da siderúrgica Gerdau (GGBR4) e a fabricante de revestimentos cerâmicos, louças sanitárias e pisos Duratex (DTEX3), com uma demanda bastante forte com o setor imobiliário aquecido.
“A combinação de taxas de juros baixas históricas e um grande déficit habitacional no Brasil deve apoiar a recuperação da atividade por vários anos”, avaliou o JP ao iniciar a cobertura para a ação da Duratex com recomendação outperform (desempenho acima da média).
Já o Goldman Sachs apontou que a empresa deve apresentar o melhor balanço de sua história no terceiro trimestre. Para o banco, a Duratex está forte em todas as frentes, com a companhia operando quase em plena capacidade. No segmento de painéis de madeira, a avaliação é de que a demanda deva aumentar a ponto da companhia atingir 90% da capacidade de produção entre agosto e setembro. Na Deca e em produtos cerâmicos, a utilização da capacidade deve estar entre 85% e 90% neste mês – o nível deve seguir o mesmo até o final do ano, avaliam.
Sobre a Gerdau, o Bradesco BBI destacou que o mercado siderúrgico brasileiro está em uma trajetória de recuperação “em forma de V”, com os aços longos (foco da produção da companhia) sendo um claro destaque positivo por conta da forte atividade de construção imobiliária.
Segundo compilação da Refinitiv, de 14 casas de análise que cobrem GGBR4, 8 recomendam compra, 5 recomendam manutenção e apenas uma recomenda venda. Já para DTEX3, há 6 recomendações de compra e apenas uma de manutenção.
O que pode dar errado?
Apesar do otimismo, analistas e até executivos do setor também destacam que há riscos no radar.
Durante o FII Summit, evento de fundos imobiliários do país realizado pelo InfoMoney no fim de setembro, Rubens Menin, presidente da MRV, destacou que tem ocorrido uma retomada nas operações da companhia em formato “V”. Contudo, reforçou que há uma preocupação com a alta dos insumos, dos terrenos e da mão-de-obra.
“Estamos enxergando um problema de aumento de custos. Nós somos como um montador: se o custo sobe, vamos ter que repassar e, se isso continuar nos próximos trimestres, o setor vai ter que aumentar os preços para trabalhar de forma sustentável”, avaliou. Para ele, esse é o grande ponto de interrogação sobre os próximos meses para o segmento de construção civil.
Joseph Meyer Nigri, presidente da Tecnisa (TCSA3), ressaltou que os preços são o resultado de oferta e demanda e, se houver muita oferta, o valor dos imóveis pode cair. Sobre esse ponto, ele demonstrou preocupação sobre o quanto de dinheiro o setor financeiro vai injetar no mercado imobiliário, destacando a “onda de IPOs” no ano. Veja mais clicando aqui.
Para o BofA, uma eventual reversão no ciclo de afrouxamento monetário, a deterioração do mercado de trabalho e um consumidor alavancado também podem reverter o cenário positivo.
“Esperamos que as taxas de juros permaneçam baixas, mantendo a pressão de baixa sobre as taxas de financiamento imobiliário. No entanto, uma nova deterioração do cenário fiscal e o aumento das expectativas de inflação podem levar a aumentos nas taxas de juros mais cedo do que o esperado. Além disso, se os mercados de trabalho não melhorarem e se a dívida das famílias continuar alta (47% da renda em julho), a demanda por moradias poderá diminuir”, acredita.
Na mesma linha, o Credit Suisse reforça que, embora haja uma menor preocupação com mudanças nas condições dos financiamentos de curto prazo (a taxa Selic deve permanecer em um dígito baixo até o final de 2022), uma deterioração no cenário fiscal poderia adicionar mais pressão sobre as taxas de longo prazo, afetando o setor.
Com isso, nos próximos trimestres, a velocidade de recuperação do mercado de trabalho quando os estímulos forem retirados e, sobretudo as perspectivas que a trajetória fiscal imprimirá sobre as taxas de juros (curtas e longas) serão determinantes para a sustentabilidade da retomada, segundo apontam os economistas do Bradesco.
“O vetor estrutural de juros baixos tem se mostrado um atenuante para os choques adversos e uma força importante para pensar a evolução da construção civil. Mantido este vetor na direção correta, as perspectivas para a construção seguem construtivas”, apontam.
Fonte: InfoMoney