Teletrabalho ganha impulso na pandemia

Legislação estabelece contrato para prestação do trabalho remoto, bem como do reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

As cenas de pessoas trocando a roupa durante reuniões compõem o exemplo mais grotesco do tumulto inicial que caracterizou o trabalho remoto com o pipocar de atividades virtuais depois da pandemia da covid-19. Colocados a circular de maneira jocosa nos aplicativos de mensagens, os vídeos mostram o despreparo de muita gente para lidar com simples comandos de desligar câmeras e microfones ao longo de uma transmissão. 

Há, no entanto, questões de repercussão bem mais ampla em torno de um modelo de expediente que vinha sendo adotado de maneira lenta e difusa, mas que promete engatar quando vier “o novo normal”, isto é, com o fim, ou pelo menos o arrefecimento, da ação do SARS-CoV-2. 

O isolamento social decorrente da necessidade de evitar a propagação desse coronavírus levou para o trabalho à distância um contingente ainda não claramente contabilizado. Antes da pandemia, o IBGE anunciou, em 2018, um total de 3,8 milhões de pessoas trabalhando “no domicílio de residência”. Elas foram entrevistadas para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em sua versão “contínua”, mas os informes do IBGE à época não deixaram claro a natureza das atividades que realizavam. Se uma gerente de projetos pode ser classificada claramente no trabalho remoto, o mesmo não se pode dizer de uma representante de vendas, cujo trabalho é externo, por natureza. Na semana de 21 a 27 de junho, já no contexto da PNAD-Covid-19, o IBGE estimou em 8,6 milhões o número de brasileiros que “trabalhavam remotamente”, ou seja, 12,4% da população ocupada do país menos os afastados por causa do distanciamento social (69,2 milhões). 

PNAD-Covid-19 teve início em 4 de maio de 2020 com entrevistas realizadas por telefone em aproximadamente 48 mil domicílios por semana, totalizando cerca de 193 mil residências por mês, em todo o território nacional. A amostra é fixa, ou seja, os entrevistados no primeiro mês de coleta de dados permanecerão na amostra nos meses subsequentes, até o fim do levantamento. 

Não há dúvida, portanto, de que a pandemia explicitou, pelo menos em parte, as potencialidades das atividades laborais exercidas remotamente (ver infográfico). Caberia agora às empresas e aos empregados simplesmente aproveitarem ao máximo a economia de custos e as vantagens do trabalho executado em horários e locais flexíveis? 

Teletrabalho na pandemia
Teletrabalho na pandemia

Se esse cenário tem um certo jeito de paraíso, um exame mais cuidadoso mostra que definitivamente não é. 

Uma das questões a ser resolvida é a do custo dos equipamentos e das despesas com o teletrabalho, preocupação que levou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) a apresentar o Projeto de Lei (PL) 3.512/2020. O texto estabelece as obrigações dos empregadores no que diz respeito ao regime virtual e busca suprir as lacunas sobre o assunto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (ver infografia). 

Contarato propõe que as empresas e organizações em geral sejam obrigadas a fornecer e manter o aparato necessário à execução do trabalho: computadores, mesas, cadeiras ergonômicas e o que mais for necessário para a segurança dos órgãos visuais do empregado. Os empregadores também teriam de reembolsar o empregado pelos gastos com energia elétrica, telefonia e uso da internet relativos ao trabalho. 

A legislação atual manda apenas prever em contrato escrito os moldes da aquisição, da manutenção ou do fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como do reembolso de despesas arcadas pelo empregado. 

No PL 3.512, o fornecimento de equipamentos e de infraestrutura poderá ser dispensado por acordo coletivo, mas não as despesas com dados, por exemplo. 

De acordo com a proposta, todas as disposições para que as novas regras sejam cumpridas devem ser registradas em contrato ou termo aditivo escrito. Assim como já é previsto atualmente na CLT, o texto determina que os valores relativos aos equipamentos e às despesas não façam parte da remuneração do empregado. 


Regulação do teletrabalho

Mudanças na CLT e decisões da Justiça do Trabalho moldam a nova realidade legal das tarefas remotas

  CLT  

O que diz a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – Mudanças introduzidas pela Lei 13.467/2017

  Definição  

Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Exemplos de trabalho externo são os de vendedor e motorista.

O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

A CLT afasta as distinções entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

  Como formalizar  

A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho, desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

  Direitos  

Embora o trabalho seja realizado remotamente, não há diferenças significativas em relação à proteção ao trabalhador. Os direitos são os mesmos de um trabalhador normal. Ou seja, carteira assinada, férias, 13º salário e depósitos de FGTS.

A jornada do teletrabalho foi incluída na exceção do regime de jornada de trabalho do artigo 62 da CLT. Assim, devido à dificuldade de controle, não há direito ao pagamento de horas extras, adicional noturno, etc. Entretanto, atendendo a alguns precedentes firmados pelo TST, se houver meio de controle patronal da jornada, é possível reconhecer os adicionais.

  Equipamentos e custos  

A aquisição, a manutenção ou o fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Essas utilidades mencionadas não integram a remuneração do empregado.

  Saúde  

O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

  MP 927/2020  

O que dizia a MP 927/2020, que alterou regras trabalhistas durante a pandemia da covid-19. Atenção: o texto perdeu a validade em 19/7, mas é um exemplo do que pode ocorrer em emergências

  Definição  

Considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, de acordo com o que define a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) .

  Como formalizar  

Durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.

  Equipamentos e custos  

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.

Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:

I – o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou

II – o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador, na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato.

  Jornada de trabalho  

O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, assim como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho fora da jornada de trabalho normal do empregado, não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

  Estagiários  

É permitida a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância para estagiários e aprendizes.

  PL 3.512/2020  

O que diz o PL 3.512/2020, projeto de lei do senador Fabiano Contarato (Rede-ES)

  Equipamento e custos  

Para a realização do teletrabalho o empregador será obrigado a:

I – fornecer, em regime de comodato, e manter equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho, considerando a segurança e o conforto ergonômico e dos órgãos visuais do empregado;

II – reembolsar o empregado pelas despesas de energia elétrica, telefonia e de uso da internet relacionadas à prestação do trabalho.

O fornecimento de equipamentos e de infraestrutura de que trata o inciso I poderá ser dispensado por acordo coletivo.

As disposições relativas a esse artigo serão previstas em contrato ou termo aditivo escrito.

Os equipamentos e outra utilidades não integram a remuneração do empregado.

  Jornada de trabalho  

A jornada de teletrabalho observará a CLT: no máximo oito horas diárias com a possibilidade de duas horas-extras, razão pela qual o projeto propõe a revogação do inciso III, do art. 62, do Decreto-Lei 5.452/1943, que excluía os trabalhadores em regime de teletrabalho das regras da CLT no que diz respeito à jornada.

  TST  

Como o TST julgou ação de custeio contra a Petrobras

  Equipamento e custos  

Segundo a desembargadora Glaucia Braga, não há como calcular individualmente os gastos dos empregados com dados e energia elétrica, para fins de ressarcimento, já que outras atividades relacionadas com internet e consumo de energia ocorrem na residência ao mesmo tempo que o teletrabalho. A ministra também reconheceu como ilegítimo o pedido do sindicato para que a empresa custeasse, e em tempo recorde, todos os equipamentos e móveis necessários à realização do teletrabalho. Cada empregado deve ter a sua situação examinada pela empresa. Na ação, a Petrobras informou ter dado ajuda de custo de R$ 1 mil para a compra de itens como cadeiras e teclados.

Fonte: CLT/Senado/Justiça do Trabalho

O senador Fabiano Contarato argumenta que essa modalidade de trabalho se multiplicou durante a pandemia e que há expectativa de adoção da atividade remota por muitas empresas após o fim da crise sanitária, o que justifica o estabelecimento de regras. 

Outra razão é que, na ausência de normas, muitos trabalhadores estão excedendo as horas contratadas e devem receber uma compensação por isso. O projeto revoga artigo, incluído na lei pela Reforma Trabalhista de 2017, que excluiu os empregados em regime de teletrabalho das regras para o controle de jornada. 

O PL 3.512 determina que esses trabalhadores remotos terão a jornada de oito horas diárias, como os trabalhadores em geral, e o direito a horas extras: até duas horas a mais por dia, com remuneração pelo menos 50% superior à da hora normal, e possibilidade de compensação de acordo com as regras já previstas para os trabalhadores em geral. 

Ainda não distribuída a nenhuma comissão, a proposta de Contarato se assemelha em alguns aspectos ao teor de uma ação impetrada pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro contra a Petrobras, que chegou a ter acolhida na primeira instância da Justiça trabalhista, mas acabou sendo rejeitada pela desembargadora federal do Trabalho Glaucia Braga. Ela considerou inviável o fornecimento dos equipamentos a 16 mil pessoas, especialmente durante a pandemia, e lembrou que a empresa havia destinado uma ajuda de custo de R$ 1 mil aos empregados. 

“De igual forma, não parece viável individualizar os custos de pacotes de dados e energia elétrica para cada empregado em teletrabalho, vez que, em razão de escolas fechadas e medidas restritivas de circulação, todos aqueles que habitam o mesmo imóvel inexoravelmente compartilham o uso da internet e o consumo da energia elétrica”, escreveu a desembargadora. Para ela, a juíza Danusa Mafatti não apontou um modo de “aferir o custo real de tal despesa”. 

Em debate ao vivo nesta sexta-feira (24), o presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Pedro Pontual, enfatizou a preocupação da entidade, que representa os gestores do governo federal, quanto aos custos para os servidores e a proteção à saúde, agora no período da pandemia e depois: “Se o governo está economizando a conta de luz do ministério é porque ela se distribuiu para a conta de luz dos vários servidores que estão no trabalho remoto. É obrigação do empregador fornecer as ferramentas necessárias para o trabalho”, cobrou ele, durante o programa Giro Brasil, transmitido pela Agência Servidores.

Pontual, entretanto, acha que a definição do que caberá aos órgãos e aos funcionários deve ser criteriosa para que se encontre um equilíbrio e se possa garantir a entrega de serviço público de qualidade. “O custo da assinatura de um plano de internet vai apresentar suas dificuldades de ser absorvido pela administração pública”, admitiu o dirigente.

No mesmo debate, o diretor da Secretaria de Gestão de Pessoas do Senado, Gustavo Ponce, informou que neste momento de pandemia a administração da Casa está voltada para a solução de problemas emergenciais, inclusive o treinamento de pessoas em tecnologias de comunicação e, em alguns casos, o fornecimento de equipamentos. O planejamento da infraestrutura para a implantação do trabalho remoto após a crise sanitária será feito mais adiante. Atualmente há algumas áreas do Senado, como a da consultoria, que já estão autorizadas a operar no expediente à distância. Mas, como as instalações presenciais são garantidas pelo Senado, e é uma opção dos servidores executar as tarefas remotamente, o custo dos equipamentos não é visto como uma obrigação do empregador.

“Quando você não tem que se deslocar para o trabalho, tem uma economia de tempo, de recursos. Não precisa mais dispor do seu carro ou do transporte público, e já não passa a ter problema com alimentação, ter que ir a um restaurante ou pedir uma entrega de comida. Agora, se [o trabalho remoto] passa a ser obrigatório, a gente vai rediscutir [a questão dos custos]”.

Mundo híbrido 

Venha ou não a ser regulado em mais detalhes, o teletrabalho terá fatalmente de encontrar um formato apoiado em alguma forma de consenso, sob pena de se converter em uma fonte inesgotável de conflitos e, seguramente, de ações judiciais. 

Durante o seminário virtual IBM Ambiente digital: o futuro é agora?, realizado em 7 de julho pelo Estadão, no qual a reportagem da Agência Senado apresentou perguntas, os três debatedores foram unânimes em afirmar que a covid-19 empurrou as empresas de vez para o teletrabalho, embora eles não esperem uma conversão total a essa modalidade. 

“O distanciamento social corresponde a uma aproximação digital. A digitalização já vinha sendo instituída, mas a pandemia obrigou a uma adaptação mais rápida, principalmente no mundo financeiro e dos negócios. A pandemia nos provou que o teletrabalho funciona, as plataformas estão funcionando. Quebramos muitos paradigmas. Agora é ver o futuro, como manter isso”, observou o vice-presidente de Serviços de Tecnologia da IBM, Frank Koja. 

Assim como Walkiria Marchetti, diretora-executiva gerente do Bradesco, e Cintia Barcelos, diretora de Tecnologia da IBM para o setor financeiro, Koja espera o advento de um modelo híbrido, no qual os empregados vão fazer parte do trabalho em casa (ou onde puderem plugar seus computadores ou acionar suas plataformas via celular) e parte nas instalações físicas das empresas. 

“O modelo híbrido é o ideal”, opinou Cintia Barcelos. “Nem o tempo todo em casa, nem perda de duas horas no trânsito”. De acordo com ela, atividades relacionadas ao desenvolvimento de projetos já não exigem que as pessoas sempre se juntem numa sala fazendo anotações em papel. “A gente até sente falta, mas muitas dessas coisas migraram para o mundo virtual e hoje há muitas ferramentas de colaboração, salas virtuais que ficam abertas o tempo todo e nas quais se consegue manter a comunicação”. 

Na avaliação da diretora da IBM, como o contato pessoal ainda é importante para certos trabalhos coletivos, um “meio do caminho” trará vantagens tanto para os profissionais quanto para as empresas. 

“As pessoas vão tentar entender em que momento vão estar juntas no escritório, inclusive para conversar no cafezinho, o que é muito importante para nós latino-americanos, ou no home-office”, concordou Koja.

Esse é um dos pontos em que o presidente da Anesp e o diretor de Gestão de Pessoas do Senado têm pontos de vista semelhantes. Conforme Ponce de Leon, o trabalho à distância não pode levar a um afastamento social capaz de ferir o nosso sentido de humanidade e provocar problemas emocionais, como a depressão, e terminar por diminuir as vantagens em termos de produtividade dos encontros presenciais. “Já temos inclusive um serviço de apoio aos servidores que se sintam desanimados ou deprimidos pelo isolamento”, diz Leon.

“Não estamos esperando um mundo distópico, tal qual descrito por alguns visionários ou retratado em algumas séries”, pondera Pedro Pontual. 

O executivo da IBM crê no aumento da eficiência e da produtividade e no uso massivo do tempo que se tem, agora, de forma mais proveitosa: “Não tem mais horário. A globalização entrou pra valer. É possível aproveitar melhor o tempo por nós e para a empresa”. Cintia Barcelos usou o termo “jornadas fluidas” para se referir à nova forma como os trabalhadores vão lidar com o tempo no teletrabalho. 

Diante de um mundo cada vez mais movido a “tecnologias disruptivas”, na expressão da diretora da IBM, não haveria o risco de a redistribuição dinâmica do tempo acabar redundando em carga total de trabalho maior, dada a maior disponibilidade dos trabalhadores por causa dos celulares e dos aplicativos? Que tipo de consequências pode-se imaginar para um mundo de pessoas mobilizadas o tempo todo? 

Para o vice da IBM, a tecnologia traz mais comodidade, como a possibilidade de se fazer um pagamento pelo celular e não enfrentar uma fila na agência bancária, mas implica, sim, o risco de “estarmos assoberbados e disponíveis a tudo o tempo todo”, o que ele não considera positivo: “É preciso ter equilíbrio”, alerta. “Não é porque a tecnologia me disponibiliza estar ativo o tempo todo que eu tenho que fazer aquilo o tempo todo. Isso se aplica não só ao trabalho, mas também às redes sociais. A gente precisa se alimentar, conviver com amigos e com a família, dormir, cultivar um hobby, arte ou esporte”, exemplificou. 

É o que o senador Fabiano Contarato chama de “direito à desconexão” (ver entrevista) e o que Ponce de Leon entende como a separação necessária entre a atividade laboral e a vida doméstica, mas que, na opinião de Pedro Pontual, encontra uma barreira durante a pandemia em razão da presença de crianças impedidas de frequentarem as atividades educacionais.

Esse equilíbrio, segundo o diretor da IBM, é responsabilidade do empregado: “É nossa decisão. A gente tem que ter a rédea. Não dá pra delegar. A empresa não vai fazer isso por nós. A gente tem que fazer e saber o que priorizar”. 

Koja lembrou que no início da pandemia, na segunda semana de março, as agendas estavam muito mais carregadas e a carga de trabalho era bem maior do que a média do período pré-covid. Foi o caso do ensino online. “Agora isso está se reequilibrando, prioridades estão sendo estabelecidas num mundo novo, num momento novo”. 

Em termos mais práticos, a diretora do Bradesco informou que a política de recursos humanos do banco vai permanecer a mesma e “a jornada continua sendo aquela contratada”. Mas Walkiria Marchetti observou que o controle da produtividade e de horas-extras difere de função para função. É muito mais fácil conferir o desempenho de empregados em uma central de atendimento do que o de alguém que desenvolve projetos e tem metas e prazos para entregar resultados, situação em que não cabe aos supervisores olhar minuto a minuto se o funcionário “está plugado”.

Para Pedro Pontual, o impulso dado ao teletrabalho pela pandemia evidenciou um equívoco e um preconceito da administração pública no Brasil a respeito do significado desse modelo, visto como um privilégio, mas que mostra seu potencial. “Estamos adquirindo rapidamente as habilidades nas ferramentas de comunicação e o governo reconhece que a produtividade aumentou”. O diretor do Senado também fala em aumento da produtividade e observa que isso já vem sendo experimentado na Casa há cinco anos com a implantação gradativa de planos de gestão, nos quais a administração e os servidores “trocam o controle da frequência [ponto] pelo controle da entrega de resultados”.

De qualquer forma, a executiva do Bradesco defende o “controle adequado da jornada”, até para “garantir a saúde do pessoal”. E avaliou que, depois de um início mais atribulado, a instituição já está numa rotina: “Rotina um pouco diferente, mas uma rotina”.

Horizontes 

Se a pandemia empurrou para o teletrabalho as organizações que puderam aderir a ele e se, como diz Walkiria Marchetti, muitas áreas não vão voltar ao presencial, qual é o potencial do trabalho remoto? 

Quem está tentando responder a essa pergunta são três pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que publicaram em 3 de junho uma nota técnica com estimativas calculadas a partir de dados da PNAD-Contínua do IBGE relativa ao primeiro trimestre de 2020. 

“O Brasil, pelas características de seu mercado de trabalho, possui, na média, um percentual de pessoas em potencial de teletrabalho de cerca de 22,7%, que corresponde a 20,8 milhões de pessoas”, diz a nota, assinada por Geraldo Sandoval Góes, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental; Felipe dos Santos Martins, pesquisador do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD); e José Antonio Sena do Nascimento, pesquisador do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM/MCTIC). Os pesquisadores do Ipea estimaram o potencial do teletrabalho em relação ao total da população ocupada de janeiro a março de 2020 (92,2 milhões). 

O Distrito Federal apresentava então o maior percentual de potencial de trabalho remoto (31,6%), cerca de 450 mil pessoas. O estado do Piauí é o que apresentava o menor percentual (15,6%), ou seja, em torno de 192 mil pessoas. A pesquisa, avisam os seus autores, vai ser revisada em função dos números efetivos obtidos pela PNAD-Covid, que tem detectado semana a semana um exército de aproximadamente 8,5 milhões de pessoas em trabalho remoto. 

Ainda não se sabe a razão dessa diferença, mas pode ser que a mesma pandemia que forçou a adoção do expediente à distância tenha oferecido obstáculos a empresas e organizações menos preparadas. 

Teletrabalho na pandemia

A metodologia usada pelos pesquisadores do Ipea, adaptada de um estudo levado a efeito nos Estados Unidos, toma em consideração uma série de variáveis que facilitam ou dificultam o trabalho remoto, como a renda per capita, o que explicas as diferenças regionais encontradas. A amplitude e a qualidade da tecnologia instalada também são fatores cruciais. Os pesquisadores, entretanto, não se detiveram nos efeitos que as estimativas para o Brasil possam ter sofrido por causa da distância entre o parque tecnológico brasileiro e o dos Estados Unidos. 

No trabalho de Jonathan Dingel e Brent Neiman, é apresentada uma lista de 86 países, na qual Luxemburgo apresenta a maior proporção de teletrabalho (53,4%) e Moçambique, a menor: 5,24%. O Brasil ocupa a 45º posição, com 25,65% de teletrabalho potencial. Entre os doze países da América Latina que constam do estudo (Brasil, Bolívia, Chile, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, República Dominicana e Uruguai), o Brasil ocupou a terceira posição, muito próximo à do Chile (25,74%) e após o Uruguai (27,28%), que apresentou a maior participação de trabalho remoto. O estudo dos norte-americanos não ponderou as diferenças de organização do trabalho entre os EUA e os outros países observados. 

Sociedade digital 

Dependendo de maior ou menor competência tecnológica, nível de renda per capita ou organização do trabalho, o labor remoto vai se inserir para cada país no que já se convencionou chamar de economia 4.0, ou quarta revolução industrial (ver infografia). Como seu deu nas revoluções anteriores, as economias nacionais (ou o que restar delas) vão ser obrigadas a um processo agressivo de inserção. E ainda é incerto se vão sofrer mais se embarcarem de corpo e alma num ambiente digitalizado ao extremo ou se titubearem diante das exigências constantes de capacitação e inovação. 

Empresas e governos já estão diante de demandas gigantescas de investimentos em máquinas, equipamentos e processos, sendo um dos principais a transmissão de dados de quinta e sexta geração a altíssimas velocidades e quase nenhuma falha. Em seminário virtual sobre o desenvolvimento de competências na sociedade digital, realizado recentemente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a doutora em Educação Fátima Bayma abordou o impacto de transformações em áreas como automação e inteligência artificial: “Novas tecnologias impõem ao mundo mudanças nas formas em que vivemos, trabalhamos e nos relacionamos”. 

Essas mudanças já são bastante visíveis na digitalização de procedimentos judiciais, na análise de dados de testes educacionais e na oferta de novos serviços, como os canais de filmes por assinatura e os aplicativos de mensagens voltados ao transporte e à entrega de comida. Uma das consequências da adoção massiva de novas plataformas será, por exemplo, a extinção de profissões e a criação de novas. O consultor do Senado Rodrigo Abdalla acredita que a telefonia 5G poderá impactar de maneira sensível carreiras como as dos advogados e dos contadores. 

O que fazer, portanto, para integrar milhões e milhões de seres humanos em graus diversos de inserção social, cultural e econômica? 

Fátima Bayma, que é professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da FGV, diz ser necessário intensificar o uso da tecnologia no campo educacional — o que no caso do Brasil ainda tem rendido poucos resultados, segundo ela, salvo alguns avanços na educação básica. 

Fátima vislumbra um futuro em que a tecnologia em educação fará muito mais do que munir os alunos de tablets em sala de aula. “A inteligência artificial permitirá aos professores avaliar o interesse dos alunos pelas suas expressões faciais, pelo brilho nos olhos.”

Segundo a diretora de Tecnologia da IBM, na economia digital é preciso que o trabalhador “se mantenha relevante”, o que significa executar tarefas que um programa não faria sozinho ou que não possam ser absorvidas por outro integrante da equipe: “A inteligência artificial nunca vai substituir um profissional especial. Ao contrário, vai ampliar suas capacidades”. 

A crença na absorção de todos é escassa, se não inexistente. Em outro seminário recente, desta vez a cargo da XP investimentos, especialistas no mercado de capitais apontavam para o desenvolvimento de tecnologia e a inovação como os ingredientes que vão dar viabilidade e valor de mercado às empresas. 

Não há consenso sobre quando começou e terminou exatamente cada uma das fases da grande mudança tecnológica, econômica e social que há cerca de 200 anos retirou a produção do plano meramente manual, entregando o trabalho inicialmente a máquinas e agora a processos de automação cada vez mais ousados e agressivos.

Inovação e automação crescentes marcaram as quatro revoluções industriais

A divisão serve mais a propósitos teóricos e educativos, já que ingredientes de uma fase já estavam presentes na anterior ou se projetam para a fase seguinte. A chamada “revolução” é assim percebida em razão do maior dinamismo de evolutivo a partir do século 18.

Inovação e automação crescentes marcaram as quatro revoluções industriais

Na verdade, a aspiração humana por automatizar o trabalho data de tempos remotos e pode ser ilustrada por mitos como as servas robóticas de Hefesto, o deus ferreiro da Grécia antiga (Vulcano, em sua versão latina), e artefatos como o arco-e-flecha e o monjolo.

Primeira Revolução Industrial

Ocorre entre a segunda metade do século 18 e a primeira metade do século 19, basicamente na Inglaterra. Há historiadores que cravam o intervalo 1760–1840. É caracterizada pela interação complexa entre maquinário e energia, principalmente a vapor, propiciada pela queima do carvão mineral, resultando no desenvolvimento de teares, parques siderúrgicos e transportes por trilhos.

A utilização de máquinas permite produção em grande escala, suplanta a manufatura e dá início a um sistema econômico urbano e industrial, com a transformação de agricultores e artesãos em trabalhadores assalariados (operariado), a consolidação da classe burguesa patronal capitalista.

O regime de trabalho é brutal para o operariado, inclusive mulheres e crianças, com jornadas de 10 a 16 horas, e condições insalubres nas fábricas e minas.

Segunda Revolução Industrial

Transcorre aproximadamente entre 1850 e 1950. Nesse período, desenvolvem-se, ampliam-se e sofisticam-se as tecnologias presentes em alguma medida na primeira revolução. Por se tratar de um intervalo de cem anos, registra-se uma heterogeneidade de recursos energéticos, aparatos industriais, processos produtivos e relações econômicas e sociais inovadoras.

Os grandes agentes são as indústrias química, elétrica, de petróleo e aço. Progridem os meios de transporte (veículos automotores e aviões) e de comunicação (telefone, rádio, cinema e TV).

A revolução do maquinário permite aumento da produção agrícola; surgem as linhas de montagem na indústria; os trabalhadores se fortalecem do ponto de vista sindical e político obtendo direitos salariais e previdenciários e redução da jornada de trabalho, além de melhores condições de salubridade.

Terceira Revolução Industrial

De 1950 a 2010. Caracteriza-se pelo aumento gradual do uso de tecnologias digitais na indústria e outros setores econômicos e pelo avanço das telecomunicações e da engenharia em vários campos, especialmente na aviação, na navegação espacial, na genética e na biotecnologia.

Os tão ansiados robôs, que já eram produzidos em versão operada por telefonia desde os anos 20, entram em cena no final dos anos 50 e início dos anos 60 movidos por meios magnéticos – e passam de mera curiosidade ou elementos de espetáculos a “trabalhadores”.

A terceira revolução abriga os primórdios da alta informatização de amplos aspectos da vida humana, como o uso de microcomputadores e transmissão de dados, além do compartilhamento em rede, inclusive pela internet (versão restrita iniciada em 1969 em ampla, em 1993).

As relações econômicas e sociais se complexificam, com a supremacia do capitalismo e a valorização do indivíduo, a fragmentação cultural e a diminuição do poder das organizações sindicais, além da elevação ao máximo da produção e do consumo, incluindo de vestuário, veículos, eletrodomésticos e alimentos.

Do ponto de vista energético, desenvolvem-se as fontes nuclear, solar, eólica. A informática opera novo progresso na agricultura. E, pela primeira vez, o mundo toma consciência do desastre ambiental provocado pelo uso intensivo de combustíveis fósseis e pela destruição de recursos naturais em prol do desenvolvimento industrial e da vida nas cidades.

A partir dos anos 90, começa a se desfazer o antigo mundo do trabalho e há quem decrete “o fim do emprego”.

Quarta Revolução Industrial

É a revolução em curso. O termo foi cunhado no âmbito de um projeto apresentado em 2011 na Feira de Hannover, na Alemanha. Nomeava uma iniciativa estratégica do governo alemão no campo da tecnologia. Posteriormente, o criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, explorou o tema no livro A Quarta Revolução Industrial.

O que identifica esta fase é o alto grau de digitalização dos processos de planejamento, comunicação e maquinofatura. Pessoas e máquinas tendem a operar de maneira integrada ao extremo, utilizando diversas facetas de transmissão e processamento de dados.

O que ganha corpo é inteligência artificial, grandes dados em nuvem, aprendizado autônomo de máquinas, computação cognitiva, internet das coisas, máquinas operando máquinas, descentralização dos controles, análise de dados, robótica, simulação, impressão em 3D, cibersegurança, realidade aumentada, diversificação das linhas de produção e a adaptação a diferentes tipos de demandas, de modo a dar respostas rápidas e específicas ao mercado.

No caso, por exemplo, de uma pandemia, uma fábrica que produz micro-ondas poderá ser adaptada rapidamente para produzir respiradores e máscaras de proteção hospitalar. Do mesmo modo, um mesmo produto poderá ser customizado em escala infinita para atender a exigências dos revendedores ou dos consumidores.

O resultado no plano econômico é o aumento da eficiência, da produtividade e da lucratividade, com impacto no campo dos empregos e das profissões, que estarão muito mais sujeitas a mudanças e até a extinção. Isso obrigará os indivíduos a uma adaptação constante, a investimentos ad aeternum em aprendizado e a um maior esforço empreendedor.

Ao mesmo tempo, é possível que o Estado venha a implementar programas de renda mínima para assegurar o sustento de pessoas temporária ou permanentemente fora do jogo econômico.

As jornadas laborais tendem se flexibilizar, com a adoção do teletrabalho em substituição ao presencial ou na forma híbrida. De todo modo, se espera uma dedicação ao trabalho diluída mesmo fora da jornada contratada em razão da hiperconectividade, inclusive em redes sociais e grupos profissionais de serviços de mensagens.

Em tese, o teletrabalho pode ser uma das maneiras de tornar a nova revolução mais ambientalmente amigável que a anterior, em face da menor pressão sobre o tráfego de veículos. O aumento da eficiência energética, tanto em razão da administração digital dos processos fabris quanto da adoção de novas fontes de energia, é apontada como uma das vantagens da economia 4.0, ao lado dos processos mais racionais de exploração agrícola.

Fonte: BrazilLab/Gizmodo/Fundaj/ESSS


Entrevista

Senador Fabiano Contarato (Rede-ES): A legislação deve se adaptar para proteger o trabalhador

Fabiano Contarato
Senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Agência Senado – A pandemia da covid-19 acelerou a adesão de empresas e outras organizações ao teletrabalho. A seu ver, quais são as vantagens, desvantagens, oportunidades e riscos envolvidos nessa modalidade de atividade laboral? 

Senador Fabiano Contarato: Quanto a desvantagens, sem a regularização adequada do teletrabalho, poderemos ter, por exemplo, problemas na questão da jornada de trabalho. O empregador poderá ver o rendimento do trabalhador cair. Também poderá ocorrer de o trabalhador ver-se obrigado a exceder suas horas diárias ou ser demandado a qualquer horário do dia, sem receber pelas horas extraordinárias trabalhadas. Temos, portanto, de ter regras mais claras para ambos. Dentre as vantagens, para o trabalhador, destaco, de imediato, ser importante para garantir a saúde em vista da pandemia, da necessidade de distanciamento e do isolamento social, ao máximo. Em outros aspectos, futuramente, pode diminuir a necessidade de a pessoa morar perto do trabalho, sendo que os centros empresariais, geralmente, ficam em regiões caras; pode reduzir o tempo despendido no trânsito, o que é bom para a pessoa e gera economia global para as cidades. Importante lembrar que a legislação brasileira não conta o tempo de deslocamento como tempo trabalhado. Assim, essa economia de tempo pode significar um ganho para cuidar da vida e da família. Para quem emprega, reduz os custos do espaço da empresa (aluguel e condomínio por exemplo). A melhora da qualidade de vida do empregado impacta para melhorar, também, a produtividade. 

No projeto que o senhor apresentou há algumas cláusulas que foram recentemente negadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), no bojo de uma ação movida pelos petroleiros contra a Petrobras. Segundo a desembargadora Glaucia Braga, não há como calcular individualmente os gastos dos empregados com dados e energia elétrica, para fins de ressarcimento, já que outras atividades relacionadas com internet e consumo de energia ocorrem na residência ao mesmo tempo que o teletrabalho. A ministra também reconheceu como ilegítimo o pedido do sindicato para que a empresa custeasse, e em tempo recorde, todos os equipamentos e móveis necessários à realização do teletrabalho. Cada empregado deve ter a sua situação examinada pela empresa. Como o senhor vê essa decisão judicial e quais são as chances que o Parlamento tem de aprovar sua proposta? 

Essa decisão que você cita foi feita com base na Medida Provisória nº 927, de 2020, que agora caducou. Na sua vigência, no entanto, o art. 4º, § 3º, tem disposição similar à do art. 75-D da CLT, que não cria uma obrigação de o empregador fornecer infraestrutura ou de o trabalhador ser reembolsado pelas despesas relacionadas ao trabalho remoto. O artigo apenas prevê que essas questões serão previstas em contrato escrito, sendo que o trabalhador é a parte mais vulnerável da relação trabalhista. Injusto! Portanto, proponho a alteração do art. 75-D, para obrigar o empregador a fornecer infraestrutura adequada, garantindo a segurança e a saúde do trabalhador, bem como reembolsar o trabalhador pelas despesas efetuadas. A infraestrutura só será dispensada por acordo coletivo e não individual, para fortalecer a posição do trabalhador diante da negociação com o empregador. Por fim, temos de pensar que, hoje, a própria tecnologia pode ser aliada para equilibrar a medição de despesas e validar reembolsos. 

O teletrabalho está sendo implantado num contexto mais geral de digitalização do trabalho (onde é possível) e da economia e da vida humana como um todo. Na chamada economia 4.0 ou sociedade digital, vários tipos de interação dos seres humanos com a tecnologia têm se intensificado e isso repercute direta ou indiretamente na relação dos indivíduos com a produção, a divulgação, a venda e, claro, com a lucratividade dos negócios. A própria participação em redes sociais sempre foi mais do que mero entretenimento ou canal de manifestação cultural e política. Se a utilização dos dados pessoais dos internautas para a montagem de estratégias empresariais já é, em si, uma realidade preocupante, o que dizer da diluição do trabalho em uma série de entradas no sistema de telecomunicações (redes sociais, aplicativos de mensagens, etc.)? Como evitar que o trabalho em tese não caracterizado como trabalho acabe sendo aproveitado de maneira pouco clara e controlável em detrimento dos direitos dos trabalhadores? 

O trabalho acompanha o avanço da tecnologia. Junto com essa evolução, a legislação deve se adaptar para proteger o trabalhador. As redes sociais e os serviços de mensagens já são considerados ferramentas de trabalho. Ninguém questiona, por exemplo, a importância do WhatsApp nas comunicações de trabalho. O que importa é que a empresa respeite a jornada de trabalho do empregado, de forma que não o obrigue a ficar conectado fora do período pactuado. Isso é o que eu proponho no meu projeto de lei. Inclusive trato do pagamento de horas extraordinárias. Acabada a jornada de trabalho, o empregado deve ter o chamado direito à desconexão, ou seja, ele não pode estar a todo momento disponível para o empregador. Caso contrário, o excesso de disponibilidade pode gerar o esgotamento ou a estafa do trabalhador, o que é extremamente prejudicial a sua integridade física e mental. 


Expediente à distância

Muitos funcionários, em várias partes do mundo, foram solicitados a continuar produzindo a partir de suas residências e utilizando a internet. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), esse arranjo temporário pode ser bem-sucedido, desde que com o suporte necessário.

RECOMENDAÇÕES DA OIT
1. Apoio de supervisores a quem está no teletrabalho Desde os mais altos escalões de comando até o supervisor direto, todos precisam apoiar essa nova forma de atuação dos funcionários. Os desafios no trabalho à distância podem ser superados de forma conjunta e com cooperação.
2. Equipamento tecnológico apropriadoTodas as ferramentas e todos os aplicativos necessários ao trabalho e à conexão com membros da equipe são importantes. E é importante que trabalhadores e supervisores tenham treinamento adequado.
3. Clareza sobre expectativas e resultados esperadosTrabalho à distância não deve ser de 24 horas. As condições, os cronogramas e os horários em que os trabalhadores podem ser contatados precisam ser discutidos logo no início da nova jornada de teletrabalho.
4. Soberania do tempo para promover produtividadeÉ preciso que os trabalhadores exerçam o comando do seu próprio tempo de produção. Eles precisam ter liberdade para atuar nos lugares e no ritmo que sejam mais convenientes para eles em termos de produtividade.
5. Barreiras claras para estratégias de gerenciamento do teletrabalhoÉ preciso deixar claro os limites do espaço de trabalho e do espaço físico individual, especialmente se existem outras pessoas na casa que também estão trabalhando à distância. Ao mesmo tempo, é preciso exercitar a possibilidade de se desconectar do trabalho.É preciso desligar o equipamento no fim do expediente, descansar e relaxar.
Por último, é preciso haver confiança. Esta é a espinha dorsal do teletrabalho. É fundamental que haja confiança entre os colegas, os funcionários e os supervisores. Somente com essa operação conjunta de confiança e de produtividade haverá um trabalho à distância bem-sucedido.Dicas do especialista Jon Messenger

Fonte: Agência Senado