Por Davi Rocha Huffpost Brasil
Quem é você na fila dos restaurantes por quilo? Você é dos que pulam a salada e vão direto pros pratos quentes que interessam? Você tira todo o osso das carnes pra não pagar por algo que não vai comer ou é milionário e não se importa com isso?
É daqueles que misturam feijoada com macarrão com estrogonofe e sushi pois afinal a vida é uma só e muito curta pra falar “não” pras coisas? É dos que resistem às frituras que estão sempre ali rondando o buffet? Ou é dos que ficam empatando a fila demorando horas para escolher enquanto as pessoas perdem o pouco tempo da vida que lhes restam em pé esperando seus desejos se realizarem?
O coronavírus mudou a rotina do mundo, nos trancou dentro de casa e nos afastou temporariamente das dores e glórias de comer em um restaurante por quilo. Mas como vai ser no futuro? Ou melhor, para os que já voltaram às ruas, como está sendo o presente do self-service?
Na semana que passou na cidade de São Paulo, os mais de 23 mil restaurantes da capital foram autorizados a funcionar com restrições, incluindo os que servem comida por quilo. No momento, as regras são mais rígidas e já mudaram a rotina do verdadeiro ritual que é comer em um restaurante por quilo.
Começando pelo distanciamento. É necessário ter um espaço de pelo menos 1,5 metro entre as pessoas, ou seja, parece ser o fim da enorme fila em volta do buffet. Aquela onde as pessoas ficavam em pé escolhendo o que tem pra montar o prato.
As novas regras determinam que os restaurantes tenham funcionários para servir os clientes. Eles precisam estar usando máscaras, viseiras de acrílico, luvas e cabelos presos. Ou seja, nada de parar na frente do buffet, olhar tudo e colocar comida no próprio prato.
Há que se ter um espaçamento entre as mesas de no mínimo 2 metros e não vai ser possível ter grupos de mais de 6 pessoas em uma única mesa. Aqui há uma mudança nos famosos almoços de firma. Não há a menor chance de juntar a galera do escritório na mesma mesa pra passar o almoço falando mal do chefe.
Outras regras valem para todos os tipos de estabelecimento. Todos devem usar máscara o tempo todo. Os clientes só podem tirar a máscara na hora de comer, quando já estiverem sentados prestes a se alimentar.
Todos os ambientes precisam ser desinfectados, e cada estabelecimento só pode receber 40% da sua capacidade de atendimento.
Os trabalhadores precisam ter a saúde monitorada sempre. Quem tiver contato com pessoas suspeitas de ter contraído o vírus precisa ser acompanhado. Se houver um surto de covid-19 entre os funcionários, é preciso suspender as atividades do estabelecimento.
É preciso que o local tenha barreiras de proteção acrílica nos caixas, balcões de atendimento, recepções, locais de entrega de alimentos e similares. Tudo para evitar o contato físico entre os profissionais dos locais e os clientes.
Todos precisam ter a temperatura testada antes de entrar no estabelecimento; quem tiver febre não pode entrar por ser suspeito de estar com o vírus.
Ok, mas será que já é hora de voltar a comer nos restaurantes por quilo?
Quem está em casa fazendo home office pode se dar ao luxo de sair um pouco pra fazer uma refeição fora? E quem está trabalhando na rua deve ir ao quilão na hora do almoço?
De acordo com a infectologista Lina Paola, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, ainda não é hora. “Pelo número de casos novos que a gente julga ainda ser alto, na minha opinião não é o momento. Restaurantes às vezes são lugares com ventilação prejudicada e sem janelas. Muitas vezes não vai ser cumprida a distância de dois metros entre as mesas e vai ser muito difícil fiscalizar. O mais adequado [é ir] quando os casos novos estejam mais baixos”.
“O restaurante agora é pra fazer a refeição e não pra socializar, não pra ter aquele papo gostoso que a gente tinha. Não tem como ficar muito tempo sem máscara e conversando.”- Lina Paola, infectologista
Se precisar, a pessoa precisa escolher um estabelecimento bastante ventilado e que respeite todas as normas. “Cabe ao cliente avaliar se aquele restaurante está cumprindo as normas e se as pessoas estão cumprindo. Aí ele decide se fica no local ou vai embora porque as pessoas podem estar infectadas e serem assintomáticas.”
Lina nos lembra também que os restaurantes, por enquanto, precisam ser locais apenas para consumo de refeições. “Agora o restaurante é para fazer a refeição e não para socializar, não pra ter aquele papo gostoso que a gente tinha. Não tem como ficar muito tempo sem máscara e conversando. Seria para fazer a refeição e ir embora. O que pode ser feito é pegar o alimento e ir para um lugar aberto, seja particular ou público”.
E em relação aos alimentos, como ficaria a questão das saladas de um buffet de comida por quilo, por exemplo? De acordo com a Fiocruz, alimentos crus devem ser evitados neste momento. Mas Lina nos explica que se todos usarem máscara e respeitarem todas as normas, a chance de pegar o coronavírus pelos alimentos é muito baixa.
“O vírus vai passar pelo trato gastrointestinal, vai chegar no estômago, onde o PH ácido que mata vírus e bactérias que estejam naquele alimento. Como a via de transmissão do vírus é inalatória, então mesmo que a gente faça a ingestão dos vírus e esse não for o mecanismo de infecção, ele vai ser eliminado.”
Tudo isso é uma adaptação para os clientes e também para os donos dos estabelecimentos.
Maria Teresa Pereira, dona do restaurante Hibisco da Vila Olímpia, em São Paulo, nos contou que fez todas as adaptações exigidas por lei e está pronta para reabrir. Todos os funcionários fizeram um curso de capacitação para se preparar para este novo momento. Foi montada estrutura com divisórias entre as mesas, apenas 40% da capacidade do ambiente estará disponível para ocupação dos clientes e haverá sinalização por todo o espaço.
Mesmo assim, Maria Teresa manteve o estabelecimento fechado nesta semana temendo a falta de clientes. “O restaurante de comida por quilo normalmente serve almoço durante a semana, então nós dependemos muito das empresas estarem voltando ao trabalho, e muitas empresas não voltaram. O pessoal continua em home office, e nós não temos como abrir para não quebrar.”
Maria Teresa conta que essa é a opção de vários donos de estabelecimentos do tipo da região e acredita que pode reabrir em agosto, caso o governador João Doria antecipe a volta às aulas — atualmente previstas para setembro.
Outros donos de estabelecimentos de diversos bairros de São Paulo ouvidos pelo HuffPost Brasil também disseram que estão receosos. Alguns dizem que os clientes ainda têm medo de comer fora de casa e outros endossam que as empresas ainda estão em home office, o que diminui a clientela.
Marcos Valente, dono do restaurante Trentino, de Pinheiros, abriu o estabelecimento na segunda-feira, optando por substituir o buffet por quilo por cardápio a la carte neste momento. Ele acredita que o cliente talvez tenha sensação de insegurança no buffet e poderia ter prejuízo caso não tivesse clientes.
Mesmo assim ele já fechou as portas temporariamente.“Foi muito, muito, muito fraco mesmo. Eu estava pagando caro para estar trabalhando e eu resolvi fechar novamente. Quando você abre a porta é como se você ligasse um taxímetro que começa a correr”.
Ele diz que antes de fechar por causa da pandemia estava servindo em média 500 refeições por dia. Depois se preparar, se adaptar para uma nova realidade, treinar funcionários e mudar todo o esquema do estabelecimento mesmo assim serviu pouquíssimas refeições. “Eu fiz três almoços na segunda. Foram sete na terça, cinco na quarta e oito na quinta. A gente achou melhor dar um passo atrás”. Apesar de tudo, afirma que ainda tem fôlego para ficar mais um tempo fechado.
E como está sendo almoçar num buffet por quilo agora?
Para não ficar só na teoria, resolvi sair de minha casa e na última sexta-feira (11) fui almoçar em um restaurante por quilo pela primeira vez em 4 meses. Curiosamente, minha última refeição fora de casa foi em um restaurante por quilo e eu jamais imaginava que ficaria tanto tempo sem ter o prazer de colocar várias comidas aleatórias num prato e passar o resto do dia fazendo a digestão.
Logo de cara, eu já comecei errado e não botei a luva nas mãos pra fazer o prato. Uma funcionária que estava na balança chamou minha atenção e advertiu sobre as luvas de plástico descartáveis que estavam disponíveis.
Aqui não havia uma pessoa só para colocar comida nos pratos dos clientes, como orientou a Prefeitura de São Paulo. Porém, não havia ninguém ao redor dos pratos, estava tudo muito limpo e organizado, então resolvi me servir mesmo assim. Não sei se faria o mesmo se houvesse outros clientes por perto.
Luvas em mão, eram tantas as minhas preocupações e angústias com segurança que eu não me tive nem tempo de pensar o que queria comer. Eu me vi na frente de tantas opções que fiz a escolha absurda de colocar de tudo um pouco no prato.
Tinha risoto, panqueca, frango, batata, salada, ovo. HUMMM QUE DELÍCIA. Visualmente meu prato ficou maluco, mas vamos dizer que refletiu bem os sentimentos perdidos e bagunçados propiciados pelo momento de sair de casa sem saber o que encontrar pela frente. Se tivesse porco, peixe, palmito, abóbora, moqueca, mocotó, lombo, picanha, macarrão, com certeza iria tudo pro prato. E tudo bem porque a comida estava ótima.
A funcionária na balança me contou que ainda estão recebendo poucos clientes pois nem todas as pessoas sabem que o buffet já voltou a funcionar. Ela também disse que é normal os clientes esquecerem das luvas descartáveis e das novas regras, mas que chama atenção e fica tudo bem. Todos estão se adaptando.
Na hora de comer, foi a primeira vez que tirei a máscara em público depois que a pandemia começou. Foi um pouco estranho, claro. Vamos dizer que é como se você estivesse pelado onde não pode e com as portas abertas da sua casa para receber o coronavírus. Mas, como o ambiente estava completamente limpo e eu estava distante das pessoas, nada disso iria rolar, claro. Foram só os momentos de paranoia.
O local que eu escolhi estava bem vazio; quando sentei, havia 4 pessoas no salão, um casal em uma mesa, um rapaz em outra e uma mulher em outra mesa. Depois mais um casal e 2 colegas de trabalho chegaram e se sentaram. Ninguém parecia tenso ou preocupado. Alguns pareciam até estar há um tempo frequentando espaços públicos.
Reparei que as pessoas não comeram e foram embora rápido. Algumas terminaram a refeição e ficaram conversando. Em uma mesa 3 pessoas da mesma firma estavam conversando sobre a nova rotina do escritório. Uma delas disse que levou a própria xícara grande de café para o trabalho. Na outra o casal terminou de comer e ficou um tempo batendo papo, depois passou a mexer no celular, como antigamente.
Os funcionários passaram o tempo todo limpando as mesas e todos os ambientes. Estava tudo MUITO limpo. Todos usando máscaras de pano e proteção de acrílico no rosto.
Na hora de pagar, não havia fila pois estava bem vazio. Não sei como seria se o local estivesse lotado, se as pessoas iriam respeitar todas as distâncias e se não iriam falar em cima da comida. Mas havia sinalização de distanciamento em todo o espaço. Vale lembrar que na entrada não estavam medindo a temperatura dos clientes, mas mesmo assim escolhi entrar e comer no estabelecimento.
No geral, acho que no tal novo normal o restaurante por quilo me pareceu um pouco mais ou menos antigo, na verdade. Estranho é o excesso de álcool gel. Antes de chegar no prato eu passei álcool gel 4 vezes. Uma em casa, outra na portaria do prédio, outra na entrada do estabelecimento e outra antes de comer. Teria passado mais ainda se tivesse usado algum transporte, mas optei por me deslocar a pé pra ter bastante distanciamento social.
Antes de ir embora, mais álcool gel pra limpar as mãos depois de levantar da mesa, antes de pagar e depois de ir embora. Talvez tenha exagerado e no futuro não tenha tanto álcool envolvido, mas nessa primeira vez me pareceu bem prudente.
De tudo isso tiro que vale a pena sim comer em um restaurante por quilo, caso precise. Mas vale a pena ficar de olho se o local aonde você vai está operando como mandam as regras.